O exemplo da Argentina Imprimir E-mail

É gol de letra! Os argentinos estão batendo um bolão na área de livrarias. Além do gosto dos hermanos pela leitura,o sucesso se deve a arbitragem do Estado que não só regula o mercado como  incentiva a formação de profissionais do ramo.

 

Uma vez por ano, livrarias de Buenos Aires funcionam até meia noite com várias atrações culturais.

Uma vez por ano, livrarias de Buenos Aires funcionam até meia noite com várias atrações culturais.

 

Para um carioca em Buenos Aires é agradável ver nas vitrines de inúmeras livrarias do Centro o nome Paulo Coelho num livro de capa branca  com três cerejas  e o nome Adultério.

A nova ficção do brasileiro é um dos livros mais vendidos na Argentina. Reconfortante é saber que, em qualquer livraria de Buenos Aires,esse best seller custa 199 pesos. No Rio, Adultério é vendido desde R$ 15,12 até R$ 24,90, e mostra que a turbulência do nosso mercado se deve a falta de regras e de ética.

A Argentina sancionou a lei do preço fixo para o livro em 2001 com o nome de Lei de Defesa da Atividade Livreira. É ela um dos fatores de estabilidade do mercado mesmo agora,em tempos de crise no país.  É também um obstáculo para que a Amazon  penetre na Argentina como já fez no Brasil em agosto.

Buenos Aires é famosa pelo grande número de livrarias. Em 2011 foi eleita Capital Mundial do Livro pela UNESCO  devido ao seu compromisso em promover o livro e a leitura. É a cidade com maior número de livrarias per capita no mundo.

A Feira Internacional do Livro de Buenos Aires é mais concorrida no mundo de fala hispánica. A 41ª edição, em 2015 vai ser de 23 de abril a  11 de maio tendo o México como país homenageado e mais de um milhão de visitantes previstos.

Há 7 anos, a prefeitura da cidade  promove na badalada avenida Corrientes no Centro A Noite das Livrarias, quando  estas ficam abertas até a meia noite enquanto bares e restaurantes da região promovem atividades  culturais relacionadas ao livro.

Buenos Aires tem a segunda livraria mais bonita do mundo: El Atheneo  que funciona em um antigo teatro. Listas como a do jornal britânico The Guardian afirmam que ela só perde em beleza para a Selexyz Dominicanen Boekhandel na cidade de Maastricht, Holanda.

A  Atheneo foi fundada em 1912 e o edifício, de 1919, mantêm as características do teatro como a cúpula com afrescos originais e cortina no palco. Possui o maior acervo da cidade e, por ser ponto turístico recebe cerca de 3 mil pessoas por dia. Hoje está associada à rede de livrarias Yenny que tem 17 lojas na capital.

Entre as redes outro destaque é a Cúspide,com 12 lojas em Buenos Aires e outras no interior do país. Com lay out novo, modernizou a logomarca, agora mais colorida, e fez uma parceria com a Starbucks para ter o café norte americano em suas lojas de shoppings.

Muitas livrarias têm nome de livros como a Los Cachorros, romance do peruano Mário Vargas Llosa, livraria El Halcon Maltes, romance do norte americano Dashiel Hammet, livraria El Rufian Melancolico, personagem do livro Os Sete locos do argentino Roberto Arlt ou livraria El Juguete Rabioso,  livro também de Roberto Arlt.

A Alamut Libros, cujo nome remete a obra do escritor esloveno Wladimir Barto, negocia livros e vinhos. Com quatro anos é uma das caçulas da cidade no badalado bairro de Palermo. Também faz projeção de filmes como  El Almuerzo Desnudo de David Cronnemberg baseado no clássico de William Burroughs.

A sócia da Alamut,  Daniela Fernandez, disse que a conjunção livros e vinhos pode ser bem vantajosa dependendo da ordem dos fatores : " Uma vez que temos os clientes bem alcoolizados podemos lhes vender toneladas de livros."

Já a  Livraria Eterna Cadencia  tem nome retirado da obra do argentino Jorge Luiz Borges. Funciona  em uma casa antiga em estilo espanhol   e tem decoração clássica com piso de mogno e lustres. É também restaurante , cafeteria e lugar de relax .

Como editora, a Eterna Cadencia lançou o Livro Que Nâo Pode Esperar, impresso com tinta especial que se apaga  em dois meses depois de entrar em contato com a luz.  Traz textos de novos escritores latinos  que ganham uma força extra para  que sejam lidos com urgência.

Para o público gay e transgênero há uma livraria especializada, a Otra Letra. E para quem gosta de pesquisar raridades, muitas casas de usados  espalhadas pelos bairros com nomes como Lord Byron, Libreria del Suburbio, El Farol del Fin del Mundo, El Velocino de Oro e La Cueva.

O interesse por livrarias não é só na capital. Na região central do país, a Câmara de Livreiros de Córdoba, fundada em 1960 oferece cursos gratuitos na Escola de Livreiros em que os alunos estudam matérias como história da cultura,  história da produção bibliográfica, processo industrial do livro e gestão e administração de livrarias.

Também há seminários com temas como Atendimento ao Público, Catalogação e Processos Informáticos. A Escola de Livreiros é uma iniciativa da Secretaria de Cultura da Nação junto com o Ministério do Trabalho e o apoio da Faculdade de Villa Maria.

Villa Maria é uma pequena e aprazível cidade  de  alamedas largas, poucos prédios, 80 mil habitantes e 12 livrarias. Três têm acervo geral e as demais são  segmentadas em áreas como direito ou ensino de idiomas.

Gustavo Caleri é  arquiteto largou a profissão para abrir a Libre Libro  em Villa Maria. Se diz um romântico para justificar a mudança e satisfeito com o movimento na sua loja, que completou sete anos. Reclama apenas da venda de livros pelas editoras nas escolas.

Recentemente Instalou um café  na livraria e promove encontros em que se lêem poemas ,porque, segundo ele, há uma tradição  de poesia em Villa Maria cidade  em cujos muros se lêem grafites filosóficos como: “O difícil se consegue, o impossível se tenta”.

Na livraria  de Gustavo, o forte  entre os títulos brasileiros não é Paulo Coelho  mas Clarice Lispector, Jorge Amado e Guimarães Rosa. E entre os poetas faz sucesso Arnaldo Antunes, ex membro do grupo Titãs.

Acima da logo da Libre Libro está uma foto de Roberto Arlt, contemporâneo de Borges que com sua obra inspirou o nome de algumas livrarias de Buenos Aires. Abaixo da logo se lê:Lugar de Culto.

Por sua aura, o livro, é um dos objetos mais cultuados em nossa sociedade, posição que não deve perder para o frio e- book. Mesmo depois de ficar completamente cego, Borges continuou a comprar livros: “A presença dos livros me ajuda. Essa gravitação silenciosa, sentir que estão alí.”

Uma viagem pela  Argentina mostra claramente que a tese do nosso imortal Monteiro Lobato está correta: “ Um país se faz com homens e livros”.