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As independentes


Pequenas e médias editoras são, com as livrarias  independentes, fonte da bibliodiversidade no mercado editorial. Para a presidente da Liga Brasileira de Editoras, Raquel Menezes, elas possibilitam abordar em livro questões ausentes nos best-sellers.

 

 

Presidente da LIBRE, pelo segundo mandato consecutivo, Raquel é dona da Oficina Raquel, editora que tem o forte na literatura portuguesa e publica uma média de 15 livros por ano, com 70 títulos no catálogo.

O maior sucesso da casa é O Livro Aberto – Leituras da Bíblia, de Frederico Lourenço, premiado  autor português que esteve na FLIP no ano passado. Este ano a editora aposta  em Maria Tereza Horta, também portuguesa, que estará na FLIP, em julho, com o livro Azul Cobalto.

O gosto de Raquel pela literatura portuguesa começou por Eça de Queirós, que ainda hoje é o seu autor preferido, “talvez pelo humor e pela ironia”. Ela é doutora em literatura portuguesa pela UFRJ  e agradece às bibliotecas: “Devo a elas ter me tornado leitora”.

Nascida em um lar protestante onde os únicos livros eram a Bíblia e os da escola, foi presenteada por uma tia com um livro fora do currículo pela primeira vez aos 10 anos de idade. Na adolescência ganhou uma coleção de clássicos do tio, quando conheceu Eça de Queirós.

Além da literatura portuguesa, a poesia tem destaque na editora, que também publicou  obras sobre o futebol. Raquel , torcedora do Vasco, diz  gostar do esporte e ter sido frequentadora dos estádios.

Hoje ela está  menos interessada nos jogos por causa do peso da FIFA, do machismo no esporte e da política agressiva na carreira dos jogadores. Mas elogia a função social que tira milhares de meninos da rua e acredita que a vida pode ser vista pelas lentes do futebol.

“As regras do jogo podem ser aplicadas na vida” comenta; “expressões como chutar para escanteio, chutar para gol, ter far play são metáforas comuns”. Indica como ótimo o livro Jogar sem bola – literatura, filosofia e futebol do João Tiago Lima, professor de filosofia da Universidade de Évora, lançado por ela.

Como presidente da LIBRE, fundada em 2002, Raquel dá continuidade à missão da entidade, com 115 associadas, de preservar a bibliodiversidade no mercado editorial brasileiro e participar nas políticas públicas para o setor. Este ano, o tema dos debates da Casa da LIBRE na FLIP é Leitura – gesto político, e ela conhece essa relação.

Feminista, Raquel trabalhou com o tema na sua tese de doutorado onde fez uma relação das Cartas Portuguesas, de Mariana Alcoforado, com as Novas Cartas Portuguesas, escritas no século XX. Leu Simone de Beauvoir e Judith Butler e acha que ainda falta muito para que os ideais feministas impregnem a sociedade.

“Os medos que tenho com relação ao meu filho de 7 anos são diferentes dos da minha amiga com uma filha na mesma idade”, compara; “Vivemos num mundo ainda extremamente machista onde as mulheres morrem por serem mulheres”.

Em tempo, a Oficina Raquel, já existia quando foi convidada pelo seu ex–sócio Ricardo Pinto de Souza a trabalhar com ele; o nome foi dado por Ricardo em homenagem a sua então noiva Tatiana Raquel.

 

Qual é a participação das editoras  independentes no mercado brasileiro?

Os grandes grupos editoriais sempre vendem mais; como na relação das livrarias independentes com as grandes redes. As grandes editoras têm mais possibilidades de produzir best-sellers. Elas vão às feiras internacionais, participam dos leilões, têm um poder de marketing bem maior. Na verdade o papel das pequenas e médias editoras é descobrir as potências. Há exemplos de autores que começaram nelas e depois foram para as grandes. Um livro que vende 10 mil exemplares não pode ser considerado um best-seller e uma editora pequena não tem bala na agulha para alimentar esse mercado que demanda tiragens de 50 mil exemplares. É preciso uma máquina que elas não têm. Partindo de uma tiragem inicial de 3 ou 5 mil exemplares é muito difícil se recapitalizar; as livrarias pagam em 30, 60 dias.

Qual o espaço das  independentes nas livrarias?

Acho que temos sempre problemas para estarmos nas grandes redes porque elas dão preferência aos livros de venda mais rápida, os best-sellers, mas temos uma boa aceitação nas livrarias independentes. Fazemos parcerias, criando eventos; não só nos lançamentos mas promovendo alguns debates. Sabemos o quanto a livraria é importante na cadeia do livro. Digo que o meu cliente não é o leitor final; é a livraria. Por mais que hoje ocorra a venda direta a livraria continua com um papel muito importante. Mas tanto da parte das editoras como da parte das livrarias é preciso haver uma profissionalização maior do mercado; mais transparência e constância nos acertos. É muito chato ter de ligar no final do mês para a livraria e pedir o acerto quando ela deveria fazer isso automaticamente. Alguns ainda ficam chateados porque você ligou. Cada um tem de cumprir o seu papel; se está difícil para a livraria pagar o aluguel também está para a editora pagar suas contas  e no final emprestar o livro à livraria,  por consignação, para ter um acerto 30 dias depois e um pagamento mais 30 ou 60 dias depois. Sou extremamente a favor de que as livrarias tenham isenção do IPTU, como acontece com as editoras, e de qualquer ação que as beneficie porque entendo a livraria como meu cliente. Mas o quanto antes as livrarias entenderem que também precisam ser parceiras das editoras será melhor para o mercado. Não dá para ficar com o discurso do oprimido em torno do IPTU ou da venda de didáticos pelas editoras nas escolas.

A Oficina Raquel vende direto para o  leitor pelo site?

Posso vender através do site mas não tenho uma política de desconto agressiva para concorrer com a livraria. O preço é o mesmo, mas eventualmente há uma promoção em função de alguma data. Acho que não podemos dar descontos em livro por qualquer motivo. Reclamamos muito que o Brasil é um país que não tem leitores mas a desvalorização do livro começa por nós; por qualquer coisa há um desconto de 50%.; no mês da mulher a Saraiva dá 50% de desconto. A desvalorização do livro começa por nós do mercado.

Como  se posiciona a LIBRE na questão do preço fixo para o livro?

A LIBRE sempre foi a favor do preço fixo e temos uma publicação sobre o assunto. Somos filiados à Associação Nacional de Editores Independentes que tem sede na França, onde a Lei do Preço Fixo dá certo e não permite que a Amazon faça o que quer. Infelizmente precisamos de uma regulamentação do nosso mercado e talvez seja a Lei do Preço Fixo. É absurdo o livro sair da editora com o preço de capa a R$24,90 e dois, três dias depois do lançamento ser vendido a R$15,90 como se vê na Amazon e na B2W. O desconto é bom em uma efeméride mas não se pode ter toda a política de mercado voltada para ele. Com o desconto você está desqualificando a sua mercadoria.

Você acredita nas políticas públicas para o livro e leitura?

A Lei Federal foi aprovada em maio na CCJ e deve ser sancionada em breve. Acho que se não acreditarmos que uma lei vá melhorar a situação do livro e da leitura no país, não há para onde correr. Se a partir da institucionalização a coisa já não funciona. Particularmente tenho esperanças sim. Entendo que a política de livro é uma política de Estado. Claro que como presidente de uma associação e como empreendedora tenho minha responsabilidade, assim como o livreiro tem, o presidente da AEL tem. Mas a nossa principal responsabilidade é cobrar  uma política pública em prol do livro e da leitura. Não só para benefício da indústria do livro, mas do país, da nação. Não adianta continuarmos a dizer; “ um país se faz com homens e livros” se nosso índice de leitura é sempre muito baixo e nosso mercado vem caindo.

Acredita quando dizem que o governo quer o povo ignorante para não ser questionado?

Acho sintomático que todas as vezes que há uma crise ou algum tipo de problema a primeira área onde há corte de verbas seja na educação e na cultura. Com a chegada do Temer à presidência logo houve a extinção do Ministério da Cultura, que depois foi revertida. É sintomático que seja uma política contra a formação de leitores ou formação em qualquer área cultural. Isso tudo causa uma grande pena. Quando se vê a mediocridade dos governantes. E o nosso papel é continuar cobrando para que as leis sejam aprovadas, e mais que isso cumpridas; como é o caso da Lei do Preço Fixo e dos Planos,  no âmbito  federal, estadual e municipal, para o livro e a leitura.

Como é a relação da LIBRE com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros?

Temos um diálogo. Fazemos parte de um Fórum de entidades que se encontra a cada dois ou três meses. A questão, é que as outras entidades normalmente não estão pensando no que acontece com as pequenas e médias editoras. Temos que estar sempre numa briga, tentando chamar atenção. Como aconteceu agora no PNLD. Os problemas que nós acentuamos na carta que enviamos ao FNDE, responsável pelas compras governamentais de didáticos e paradidáticos, são diferentes dos das grandes editoras. Depois de anos, o FNDE lançou um novo edital que está cheio de problemas, tanto na redação quanto na percepção do que seja o livro e a leitura. Começaram a exigir um material áudio visual, mais um manual do professor, sem perguntar o que a indústria achava disso. Você tira da concorrência pequenas e médias editoras já que o trabalho fica tão difícil de ser feito. A bibliodiversidade que é a maior bandeira da LIBRE não é um ponto importante nesse edital.

Livrarias também não deveriam participar das compras governamentais?

Acho que tanto a AEL quanto a ANL poderiam pensar em algumas práticas que possam ser feitas via livraria. Mas não sei se essas grandes compras são o caso. Acho que deveria haver alguns editais específicos, alguns incentivos; mas do ponto de vista logístico acredito que não é possível colocar a livraria nessa questão das grandes compras. Não acho que nesse caso se está violando a cadeia do livro e eu sou alguém muito a favor dela; para haver saúde no nosso mercado todos os elos da cadeia do livro têm de ser respeitados.

Quais as principais ações da LIBRE?

Temos a Primavera Literária, que antes era a Primavera dos Livros mas mudou de nome por problemas internos com um produtor. Há três anos fazemos o Dia do Editor, que geralmente ocorre na véspera da Primavera. Fazemos mesas redondas sobre o mercado editorial com os associados da LIBRE abertas ao público. Isso no mesmo local da Primavera que no ano passado, pela primeira vez, foi na Casa França Brasil. As pessoas gostavam muito do espaço anterior, no Museu da República, e por isso ficou uma impressão de carência. Mas acho o espaço da Casa França Brasil muito bonito, com boa localização. Para este ano não decidimos onde vai ser. O Museu da República tem muitos problemas;  é um espaço aberto e demanda uma estrutura muito grande. As vendas ano passado foram baixas comparadas com a dos outros anos. Mas ficamos na dúvida se foi por causa da situação do Estado do Rio de Janeiro ou só por causa da mudança de lugar.

Você acha que e mídia divulga pouco esses eventos?

É engraçado porque hoje uma amiga postou no FaceBook que ao abrir a Ilustrada, da Folha de São Paulo  viu que a matéria principal  era sobre os 20 anos do seriado Sex and the City. Não há nada de bom acontecendo no Brasil, nem um show, nem um livro sendo lançado, para que a matéria principal da Ilustrada seja sobre os 20 anos de Sex and the City? Parece que eles também estão contra a cultura.

 

13/06/18

 

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