Imprimir E-mail

Livrarias: o livro e o debate


O lançamento do best-seller Livrarias, do espanhol  Jorge Carrión, gerou debate onde foi discutido o atual panorama editorial brasileiro e a relação entre os players do mercado .

 

Raquel Menezes, Daniel Louzada, Daniel Chomski e Solange Whehaibe falando sobre a AEL


Livrarias uma história de leitura e de leitores, lançado em 2013 na Espanha se tornou best-seller naquele país e a edição inglesa foi escolhida pelo jornal The Guardian como um dos 10 melhores livros de viagem de 2016. Um ano depois o norte americano The New York Times resenhou o livro com o título Um caso de amor com as livrarias.

Além de citar livrarias de vários países do mundo, incluindo as cariocas Berinjela, Leonardo da Vinci e Travessa,  o livro fala de escritores, livreiros, da leitura, da mémoria, e das preferências pessoais do autor; “ uma livraria não só deve ser antiga como deve parecer antiga.”

O debate na livraria Leonardo da Vinci, na quinta feira, 16, em torno do lançamento e da situação do mercado brasileiro foi mediado por Michelle Strzoda, editora da versão brasileira pela Bazar do Tempo, com participação de Daniel Louzada, da Leonardo da Vinci, Daniel Chomski, da Berinjela, Solange Whehaibe, da Veredas, representando a AEL, e Raquel Menezes, da editora Oficina Raquel, representando a LIBRE.

Daniel Louzada falou da ironia do livro ser lançado aqui num dos momentos de maior turbulência do mercado brasileiro com livrarias em situação muito ruim e lamentou  o fato de várias livrarias citadas pelo autor já terem fechado.

Não fosse por Daniel, a Leonardo da Vinci também teria fechado em 2016 quando a comprou e submeteu a uma grande reforma. Hoje ela tem arquitetura moderna, abriga um bistrô, mas apesar de manter o foco em artes, humanas e literatura, não é a livraria citada no livro com estantes até o teto.

Para Daniel, a Da Vinci era espetacular, mas o próprio livro assinala a natureza fluída e descontínua das livrarias, contrária a das bibliotecas que existem para preservar o passado. Ratificou a frase de Carrión; “ livrarias são iniciativas privadas para problemas públicos” com o exemplo da  Da Vinci que dispôs para o público uma infinidade de obras não traduzidas durante sua história.

Criticou a super utilização do termo bibliodiversidade pelos players do mercado editorial, acusando o seu uso retórico por empresas como a Amazon, notória predadora de livrarias. Ele a  chamou de veneno/remédio  pois usa o marketplace da gigante da internet, mas considerou um equívoco institucional brutal ela ter estado na 28ª Convenção Nacional de Livrarias, este mês em São Paulo, como apoiadora e expositora.

Daniel Chomski da Berinjela também usa o marketplace da Amazon e da Estante Virtual embora tenha resistido por anos em fazê-lo, mas diz que nessas plataformas seus preços estão mais elevados do que os oferecidos a seus clientes através das redes sociais.

Influenciado no gosto por livros pelo avô anarquista que, na Argentina, teve uma biblioteca com três mil títulos, ele diz que as livrarias são locais de resistência onde existem relações pessoais e não cliques. Assim como as feiras orgânicas são procuradas por quem quer manter a saúde, compara.

Para ele, que trabalha com livros usados, a diminuição na bibliodiversidade devido à predominância de grandes redes já é visível na repetição de títulos nos acervos que negocia e, para caracterizar a crise pela qual passa a cidade e o país, disse que, desde janeiro, 27 clientes cariocas se desfizeram de suas bibliotecas por estarem de mudança para Portugal ou Canadá.

Raquel Menezes, da Oficina Raquel, defendeu o termo bibliodiversidade, repetido por ela várias vezes, e também a Primavera Literária, feira de editoras independentes organizada pela LIBRE,  entidade que preside.

A feira, que este ano volta para o jardim do Museu da República, no Catete, depois de uma experiência mal sucedida na Casa França Brasil, no Centro, ano passado, também já é montada em Belo Horizonte, Salvador e São Paulo e, para Raquel, é oportunidade de mostrar ao leitor obras que não estão em livrarias e abrir o mercado para elas.

Mas, para Daniel Louzada, a venda direta dos editores para os leitores é uma forma de quebrar a cadeia produtiva do livro; as livrarias devem se manter como principal ponto de venda. Citou a Feira da USP como mostra do fracasso do ecossistema do livro, embora Raquel argumentasse que as feiras duram poucos dias e o restante do ano seja das livrarias

Ela aproveitou para dar notícias sobre a Lei do Preço do Fixo pela qual anseiam as entidades ligadas ao livro dizendo que a informação é de que ela virá como uma emenda à Lei do Livro e por isso, em sua opinião, como emenda deve perder o impacto que teria como lei .

Solange Whehaibe, da Livraria Veredas, de Volta Redonda, falou de várias ações desenvolvidas em prol das livrarias durante os 25 anos da AEL, entidade pioneira na reinvidicação da Lei do Preço Fixo para o Livro no Brasil, da qual foi uma das fundadoras.

Ressaltou a campanha contra a Feira do Livro promovida pela ABL em pontos nobres da cidade que hoje não respeita as diretrizes que nortearam sua fundação e que vende livros de procedência duvidosa numa concorrência desleal aos livreiros estabelecidos.

Assim como Daniel Louzada, que disse ter realizado cerca de 200 eventos de iniciativa própria na Leonardo da Vinci desde a reinauguração em 2016, Solange falou das atividades culturais da Veredas em Volta Redonda e lembrou que  o  livro de Jorge Carrion mostra que a função social das livrarias vem do século XIX.

Para Daniel Louzada, que começou como livreiro em uma loja da Saraiva no Rio Grande do Sul, a crise nas grandes redes é ruim não só para o mercado mas para a sociedade como um todo já que elas ajudam a democratizar o livro. Numa referência a O feijão e o sonho, de Orígines Lessa, disse que se o feijão está ruim devemos investir no sonho.

O livro de Carrión termina com mais uma referência aos brasileiros quando na penúltima página  cita o conto de Clarice Lispector, Felicidade Clandestina, onde há uma garota de traços não muito atraentes mas que tem “ o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria  de ter; um pai dono de livraria”.

 

17/8/2018