Imprimir E-mail

 

Religião e mercado editorial


Ameaçado pela falta de ética de importantes players,  que praticam concorrência predatória com a desvalorização do preço do livro, o mercado editorial brasileiro tem, ironicamente, a religião como um dos principais pilares.

Desde o lançamento da Bíblia de Gutenberg, em 1455, o livro sagrado dos cristãos permanece em primeiro lugar entre os  mais vendidos e a cada ano obras contemporâneas mantêm a religiosidade  entre os best-sellers do país.

Segundo o site Publishnews,  em 2017 o livro mais vendido no Brasil foi Batalha Espiritual, do padre Reginaldo Manzotti. No mesmo ano, na área de ficção, o campeão foi O homem mais inteligente da história, de Augusto Cury, romance  que analisa a mente de  Jesus Cristo.

A pesquisa Produção e Venda do Setor Editorial Brasileiro, divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros, relata que o setor religioso foi o único que cresceu em volume em 2017 com 1,99% de aumento, enquanto o setor  didático, outro carro chefe da produção nacional, teve queda de 13,3%.

Nesse mercado o papel importante da religião contrasta com a prática antiética de players que diminuem o preço do livro de forma aviltante para  usá-lo como chamariz para venda de outros produtos o que  provoca o clamor das entidades do livro pela redentora Lei do Preço Fixo.

Enquanto isso, livrarias religiosas têm sido exemplo de gerenciamento que é tendência no mercado contemporâneo; segmentação, envolvimento com a comunidade, promoção de palestras e cursos, venda de mais produtos além do livro e interação com livrarias de orientações diversas.

Muitas dessas livrarias têm por trás grandes editoras religiosas  e outras são independentes o que provoca reações à crise do mercado tão diferentes entre si  quanto as filosofias que divulgam.

Das 204 livrarias físicas listadas pelo Guia de Livrarias da Cidade do Rio de Janeiro, lançado pela AEL em 2017, 30 são de segmentação religiosa; 18 evangélicas, 7 católicas,  5 espíritas, uma judaica e uma que  agrega diferentes religiões e filosofias esotéricas.

As evangélicas tiveram uma  baixa este ano com o fechamento da  Letra do Céu, no Centro, ligada à Editora Horizonal, que tem outras três lojas na Tijuca, Niterói e Caxias. Adauto Henriquez, presidente da empresa, disse que; “nosso nicho foi se tornando o atendimento às igrejas e a venda de livros ficou menor e se tornou irrelevante“.

Desde 2008 a Letra do Céu funcionava no segundo andar de uma galeria na Rua do Ouvidor, e, segundo Adauto, fechou também pelo esvaziamento do Centro; pelo surgimento das novas mídias e da concorrência da Livraria CPAD, caçula das religiosas da região, inaugurada em 2010 na Rua Primeiro de Março.

Ligada à  Casa Publicadora das Assembleias de Deus, editora com duas outras lojas no Rio, em Guadalupe e Vicente de Carvalho,  a  CPAD está em edifício tombado  pelo Patrimônio Histórico Cultural onde antes funcionou a Godspel, também evangélica.

 

Arquitetura moderna em espaço histórico na Livraria CPAD, a mais nova das religiosas do Centro


Depois de reformada, a CPAD  reabriu em 2015  como a mais bonita livraria religiosa da cidade com bistrô no térreo, três andares em arquitetura retrofit, acervo que tem também obras católicas e judaicas, e segundo o gerente Charles Belmonte, é tido por  acadêmicos de teologia  como o melhor do país.

Segundo  Charles, a loja do Centro cresceu em faturamento  nos últimos dois anos e o segmento religioso resiste à crise; “nessas épocas as pessoas querem se aproximar  mais de Deus e seguir suas tendências espirituais ”. O fechamento de algumas evangélicas no Centro também os ajudou, diz ele, que atribui a crise na Saraiva, onde trabalhou ao mau gerenciamento.

Com auditório para 120 pessoas, a CPAD promove eventos que, segundo Charles, trazem para loja quem ainda não a conhece. Ele diz que  a maioria  que frequenta o bistrô na hora do almoço não é cristã e acredita que o ambiente possa colocá-los em contato com a religião através da música ou dos livros infantis que circundam o restaurante.

Do outro lado do Centro, perto da Praça Tiradentes, a Livraria da Federação Espírita Brasileira, livraria mais antiga do Rio, com 121 anos, sente a crise de modo diferente, apesar de já ter atravessado várias. “O movimento tem sido bastante afetado”, diz a gerente Adriana Telma “em momentos como esse o consumidor prioriza a compra de alimentos e remédios e o livro fica em segundo plano”

A livraria vende exclusivamente obras editadas pela FEB,  com sede em Brasilia, dezenas delas psicografadas pelo médium Chico Xavier e seguidores da doutrina de Allan Kardec. Está em edifício de três andares onde há um Centro Espírita, auditório com 400 lugares  para cursos e palestras e salão onde foi montada mostra sobre os 120 anos da livraria em 2017.

Das espíritas cariocas a mais nova é a Livraria  Joanna de Ângelis,  inaugurada em 2002 em uma galeria no Catete pelo casal Tupinambá Machado e Iracema Couto. Segundo Tupinambá, a variedade no acervo impede que ela seja tão afetada pela crise e a concorrência maior vem de livrarias e editoras de São Paulo.

Grandes redes como Saraiva e Cultura não são um problema porque segundo ele não têm interesse por livros espíritas,  que em geral têm preço de capa com valor mais reduzido. Mas Tupinambá aguarda com expectativa a Lei do Preço Fixo para coibir a “concorrência abusiva na internet”.

Por não haver muito espaço para eventos na Joanna de Ângelis, ele acompanha autores nas palestras em instituições espíritas para vender os livros que têm na livraria. Para setembro estão agendadas viagens à Cabro Frio, Patty de Alferes, Taubaté e São José dos Campos.

Pioneiras no segmento religioso no Rio, as livrarias  católicas estão hoje em menor número, em geral filiadas a uma editora. A mais nova é a Lumen Christi, com 65 anos, da editora de mesmo nome. No alto do Mosteiro de São Bento ela tem o privilégio de ser visitada por grande número de turistas  em busca de artigos devocionais ligados ao santo.

“Dentro dos limites estamos bem,”, diz Dom José Palmeiro, diretor da livraria. Mas não pela venda de livros; “os católicos não leem muitos livros de conteúdo”, diz ele, que conferiu em mosteiros da Europa a tendência das livrarias,  como faz a Lumen Christi, venderem artesanato e produtos alimentícios, além dos artigos religiosos, .

A Paulinas, com 70 anos, e a Paulus com 79, são outras duas livrarias católicas tradicionais no Centro e parceiras , segundo a irmã Eloine Corazza, diretora da primeira. Ambas foram fundadas na Itália pelo padre Tiago Alberione, sendo a Paulus dos Padres Paulinos e a Paulinas das Irmãs Paulinas.

Irmã Eloine diz que mesmo na crise seu público não deixa de frequentar a livraria e que a Paulinas, que tem mais duas lojas, em Niterói e Madureira, cria uma relação próxima com o cliente; “ Fazemos um trabalho externo muito forte com uma vertente eclesial e outra educacional que programa cursos em entidades de classe”.

Na livraria, que vende inclusive hóstias para igrejas,  há programação religiosa e  cultural com apresentações de canto, palestras, celebração de missas, mais comuns na filial de Niterói por causa do espaço, e até uma procissão, que sai da porta da livraria, na Rua 7 de Setembro,  toda segunda-feira da Semana Santa e é bem prestigiada, segundo a Irmã Eloine.

Ela diz que a Paulinas faz parceria inclusive com livrarias evangélicas, como a CPAD, que têm livros que preenchem as lacunas no acervo da casa, também frequentada por praticantes de outras religiões que vêm em busca de livros de psicologia de autoajuda.

Suzana  Zanella gerente da Paulus diz que o relacionamento da sua loja é até melhor com as livrarias evangélicas porque não a veem como concorrente. Para ela a situação do mercado melhorou com relação a 2017 com alternância de movimento mês a mês em 2018.

Na Paulus houve missa e reza do terço  no último dia 20 para celebrar os 104 anos de fundação da Pia Sociedade de São Paulo, mas as atividades na livraria  se estendem a temas além da religião que vão da psicologia à prática do yoga e arteterapia em cursos e palestras.

Práticas menos ortodoxas, no entanto, são especialidade de uma outra livraria, a Horus, que segundo seu fundador, Roberto Neves, é a única esotérica da cidade voltada principalmente para religiões orientais e afro como budismo, hinduísmo, candomblé e umbanda.

Localizada há 43 anos na Rua Senador Dantas, no Centro,  a Horus  subiu três andares há três meses por causa do aumento do aluguel; saiu da loja de rua em que esteve esses anos para ocupar duas salas no terceiro andar do  mesmo edifício.

Roberto crê na fidelidade da clientela formada em quatro décadas mas já sentiu que alguns não gostaram da mudança que os obriga a se identificarem na portaria do edifício para irem à livraria. Também crê que a Lei do Preço Fixo poderá moralizar um comércio onde livrarias como Cultura e Saraiva vendem o livro por preço menor do que ele paga na editora.

O acervo da livraria não tem obras cristãs, Roberto prefere investir em material diferenciado do qual se inteira através da leitura. Se diz católico, questionador do centralismo e acumulação de bens da Igreja, e por isso se identifica também com o espiritismo. Mas na hora das crises, pede socorro à imagem que tem no alto de uma estante e que, segundo ele, o tem ajudado; Santa Edwiges, padroeira dos endividados.

 

6/9/2018