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Momento de mudança


A 29ª Convenção Nacional de Livrarias no Rio, em 28 e 29 de agosto, fez sucesso com temática variada e  questionamentos com relação ao papel das entidades do livro.

 

O presidente da AEL, Antônio Carlos de Carvalho e o presidente da ANL, Bernardo Gurbanov


Os dois dias de convivência foram, pela primeira vez, em um hotel na Barra da Tijuca, para facilitar, aos que vieram de fora, o acesso à Bienal do Livro, no Riocentro, que começa no dia após à Convenção.

O hotel 5 estrelas, contudo, não escondeu a fase de vacas magras do mercado editorial. Pródigo em brindes em edições anteriores, o evento este ano distribuiu a todos participantes apenas uma sacola com um ecológico copo retrátil de silicone com a marca da ANL.

Houve escassez de brindes, mas  a Convencão se mostrou rica no conteúdo com atrações para gostos diversos, como teoria francesa sobre o livro e leitura, debates sobre as relações de mercado e até controvérsias para tirar o evento da zona de conforto.

O diretor da AEL Isaque Lerbak , da Livraria Eldorado, questionou o patrocínio das editoras à Convenção o que, segundo ele,  a faz refém delas. Disse que já deixou de comparecer a outra edição do  evento em protesto por ele ter sido patrocinado por uma notória empresa nociva às livrarias e reclamou  que só fica sabendo da ANL quando há a Convenção.

Na mesma mesa, o presidente da AEL, Antônio Carlos de Carvalho, da Livraria Galileu, questionou o Manual de Boas Práticas do Setor Editorial e Livreiro que a ANL propõe para regular o mercado e enfatizou a necessidade de apoio à Lei do Preço Fixo que tramita no Congresso.

Disse que a ANL deveria incentivar os associados a votarem em massa na consulta popular no site do Senado, que está perdendo por larga margem, e acha que o placar alí pode ter influência na decisão dos parlamentares sobre a necessidade da lei.

Antonio Carlos também questionou editoras e distribuidoras  que usam heterônimos em marketplaces da internet para vender direto aos leitores com desconto e incitou os livreiros a criarem um marketplace mediado por eles próprios.

Em defesa da ANL, o presidente da entidade Bernardo Gurbanov  relatou ao final do  evento o intenso trabalho político de bastidores, feito por ela e não visto, como o que resultou na assinatura em 2018 pelo Presidente Temer da lei que estabelece a Política Nacional da Leitura e Escrita, aclamada por várias entidades do livro como uma vitória.

Mas a crítica do presidente da AEL teve apoio de outros como  o presidente da Câmara Rio Grandense do Livro, Isatir Bottin Filho, da Livraria Isasul em Porto Alegre, RS, que, durante o coffebreak comentou :  “é preciso colocar o dedo na ferida”.

A sua entidade,  com cerca de 140 associados, entre livreiros, editores, distribuidores e vendedores porta à porta vive a dificuldade em conciliar os interesses dos diferentes players do mercado e como as outras carece de mais participação dos integrantes.

O ruído na relação entre livreiros e editores foi tema de outra mesa que tratou da Consignação. Para Samuel Seibel, da Livraria da Vila, em Sâo Paulo, que abriu os trabalhos, a consignação  é um mal, que, mais que necessário, é fundamental para o sucesso das livrarias.

Ele a considera uma prática trabalhosa que requer equipe dedicada; ”mas sem a consignação  é impossível  às livrarias manterem o acervo cauda longa, com livros que demandam tempo para serem vendidos”.

Rui Campos, da  Livraria da Travessa, também reconhece que é uma parceria difícil de administrar mas que gera crescimento no mercado editorial. A Travessa já compartilha com uma editora, em fase experimental, a gestão do catálogo, o que  possibilita o acompanhamento por esta das vendas em cada loja da rede.

Apesar dos percalços, Marcos Pereira, da Editora Sextante, presidente do Sindicato Nacional dos Editores, acredita “piamente” que o mercado não irá sair da consignação como modelo de vendas. Admite que  ela é mais trabalhosa para as livrarias e propõe que só seja praticada mediante contrato com as editoras.

A grande atração, que abriu a Convenção,  foi historiador francês Jacques Chartier . Ele fez um apanhado do mercado nacional e alertou que a Lei do Preço Fixo não basta; “ é preciso convencer o poder público do papel das livrarias que nunca pode ser assumido pelo digital”.

À moda dos teóricos franceses, mas com ótimo português,  analisou a apropriação que a internet fez da nomenclatura do livro lembrando que os sites “não são páginas, mas composições singulares e efêmeras”.

Alertou para o poder de manipulação, controle e censura do mundo digital  e da importância que têm portanto as livrarias como fonte de acesso ao conhecimento e do papel que desempenharam na sua difusão em regimes ditatoriais.

Para Danielle Paul, sócia da Livraria Castro Alves, de Araruama, RJ,  que estudou o teórico francês para sua tese de mestrado,  Chartier desenvolveu na palestra o tema que aborda em “ A aventura do livro – do leitor ao navegador” , da Editora Unesp, que segundo ela, todo livreiro deveria ler.

Outra palestra baseada em livro foi a do ex-Ministro da Fazenda Pedro Malan, que participou do segundo dia com o tema “Uma certa ideia de Brasil – entre passado e futuro”, mesmo nome da sua obra lançada em 2018 pela Intrínseca que traça um panorama da política econômica brasileira nos últimos 15 anos.

Este ano o case de sucesso não foi do mercado livreiro, mas do farmacêutico, com Sergio Mena Barreto, presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias, que agradou ao falar de como as farmácias se reinventaram no que pode ser um modelo para as livrarias.

Essa foi a melhor palestra do evento para Fred Henrique de Matos, da Griffe Megastore, de Conselheiro Lafaiete, MG, que esteve pela  primeira em uma Convenção de Livrarias graças à abertura que a ANL deu nessa edição para as micro-empresas.

Sua loja além de um acervo de cerca de 30 mil livros, tem informática, papelaria e presentes e segue a linha de diversidade de oferta sugerida por Mena Barreto. Mas Fred assegura que nos últimos meses houve um crescimento de 40% no setor de livros e acha que o crescimento se deve à campanha feita no final do ano passado pelas entidades do livro de incentivo à compra de livros em livrarias.

Fred acredita que não adianta brigar pelo preço com a internet e sim oferecer uma experiência ao cliente que o faça dizer como já ouviu em sua loja: “Eu posso pagar menos na internet, mas prefiro comprar aqui para prestigiar a livraria.”

Último palestrante convidado, Sandro Magaldi, falou sobre Gestão do Amanhã, que também é um livro de sua autoria, editado pela Gente, usando muitas metáforas e cases de sucesso.

Explicou que hoje, não tratamos de desenvolvimento contínuo, mas de saltos qualitativos, lembrando que a lâmpada não surgiu do desenvolvimento da vela e que a digitalização do negócio  não significa a sua transformação.

Citando Eisntein disse; “ Fazer as coisas como sempre foram feitas e esperar resultados diferentes é uma boa definição de insanidade”.

Para a vice-presidente da AEL, Solange Whehaibe, da Livraria Veredas, em Volta Redonda, RJ, a 29ª Convenção da ANL  foi de alto nível e a deixou muito satisfeita. Terminado o evento ela e outros livreiros esticaram até a festa de comemoração dos 40 anos da Livraria Argumento no Leblon.

Uma das primeiras livrarias no Brasil a criar uma experiência para o cliente na loja, com um café e bistrô, e procura envolvimento  com a comunidade através de cursos, palestras e lançamentos  a Argumento comemorou 40 anos literalmente lotada.


30/08/2019