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O foco no infantil


Na mira da velha censura e das novas tecnologias, o livro infantil permanece como caminho mais eficaz para a formação de novos leitores e ganha espaço cada vez maior nas livrarias.

 

Alunos da rede municipal visitam o 21º Salão FNLIJ na Biblioteca Parque, no Centro

 

O infantil é o gênero mais mediado, a começar pelos pais, professores, livreiros, bibliotecários e agora, com maior ênfase, pelo governo, que segundo a Ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, irá criar um canal para alunos e pais relatarem atentados “contra a moral, a religião e a ética da família” onde se inclui a literatura usada em sala de aula.

Nos Estados Unidos, desde 1982, a American Library Association promove a Semana dos Livros Banidos, que, este ano, foi entre 22 e 28 de setembro com o lema “A censura nos deixa no escuro – mantenha as luzes acesas” com eventos em outros países inclusive Brasil, na Biblioteca Nacional.

A semana dá destaque em livrarias, bibliotecas e na imprensa aos livros excluidos por escolas e bibliotecas. A lista dos mais banidos nos EUA em 2018 inclui As aventuras do Capitão Cueca, de Dav Pilkey , por “incitar ao comportamento disruptivo” e a maioria foi censurada por referências à temática LGBTQ.

No mundo virtual, onde é mais difícil impedir o contato com “temas polêmicos”, que começa já nas redes sociais, a literatura para crianças está cada vez mais presente através de aplicativos e entre as novas tecnologias há o recém lançado Kindle para crianças.

Apesar da elogiada qualidade técnica, a eficácia da versão mirim do livro eletrônico mais vendido no Ocidente foi recebida com reservas num momento em que o próprio livro eletrônico, que não incomodou o livro de papel em países como o Brasil, sofre queda nos EUA onde já ocupou 20% do mercado.

“Sete volumes de Harry Potter empilhados na cabeceira da cama são um monumento à determinação e à devoção de uma criança”, disse um crítico. “ Sete volumes de Harry Potter em um Kindle poderiam também estar debaixo de um manto invisível”, conclui, dizendo que reduzir toda a aura desses objetos ao brilho de uma tela sem alma é roubar algo precioso da criança.

Recentemente o livro infantil passou a  ter mediação também dos  aplicativos como o Bamboleio, que se apresenta como “o app de literatura infantil para família” e diz que “ler com a criança é um ato de amor”. Nele, por uma taxa mensal se tem acesso a diversos títulos.

Pesquisas no entanto revelam que a leitura de livros para as crianças, fundamental para o seu desenvolvimento, é mais eficaz quando feita em livros de papel, onde a interação entre pais e filhos é maior. Nas outras mídias ela se reduz, muitas vezes, a uma disputa sobre quem vai apertar os botões.

O uso de telas também pode afetar o desenvolvimento cerebral das crianças. Estudo divulgado recentemente mostrou que crianças em idade pré-escolar que fizeram menor uso de telas, desenvolveram mais habilidades na linguagem. “Não que as telas sejam nocivas”, diz o Dr. John Hutton, autor do estudo; “mas nessa idade são”.

Claudia Amorim, da Malasartes, uma das primeiras livrarias especializadas em livros infantis do Rio de Janeiro, situada na Gávea, bairro nobre da cidade, diz que sua clientela já tem consciência disso e procura afastar as crianças das mídias digitais.

Para ela o problema também é que os aplicativos de literatura ignoram as idiossincrasias do público infantil, que podem ser compreendidas melhor por um livreiro. “As crianças da Barra da Tijuca se sentem mais atraídas por histórias relacionadas ao mar, diferente das da Zona Sul”, explica, “eles querem vender uma coisa só para todo mundo”.

Claudia acredita que há hoje no mercado livros representativos de todos os segmentos da população e basta procurar por eles. Para ela, o aumento de livros infantis nas livrarias não especializadas veio em função da saída dos livros didáticos, agora vendidos, em geral, pelas editoras direto nas escolas.

Foi o caso da Livraria Galileu, do presidente da AEL, Antônio Carlos de Carvalho, que, devido à concorrência desleal das editoras renunciou aos didáticos, até então referência da casa, e passou a investir na seção infantil tendo hoje, segundo Claudia, um acervo bastante expressivo.

No Brasil, a referência no livro infantil é a Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil, entidade com 51 anos que há 21 anos realiza o Salão FNLIJ  que, este ano devido às dificuldades financeiras, quase não acontece; foi montado em outubro, na Biblioteca Parque, do Centro, pela primeira vez.

Ana Maria Machado, homenageada no Salão, pelos 50 anos dedicados à literatura infantil, e uma das fundadoras da Livraria Malasartes, disse ao site da AEL ter gostado de ver como a FNLIJ apesar de todas as dificuldades conseguiu realizar o salão; “ A Biblioteca Parque é um bom lugar, uma casa de livros, bem localizada, com excelente auditório”.

Sobre censura aos livros respondeu ; “Continuo pensando o que sempre pensei. Qualquer censura, em qualquer momento, a qualquer criação artística, é inadmissível.” O assunto foi tema de uma das inúmeras mesas do evento com o nome Livros proibidos e temas impróprios. Que literatura é essa?”

O Salão reuniu 77 autores e teve 21 lançamentos de livros. Foi visitado por cerca de 4 300 alunos de 157 escolas municipais transportados em ônibus cedidos pela Prefeitura. Cada aluno ganhou um livro e para cada escola foi dada, através da Secretaria Municipal de Educação, uma verba de R$ 600 para compra de livros.

A professora Fernanda Rodrigues, da Escola Poliana Okimoto, em Campo Grande, demorou duas horas no trânsito congestionado da Avenida Brasil para chegar ao evento com uma turma de alunos entre 5 e 6 anos. Trabalhando para o município desde 2012, já foi a outros Salões da FNLIJ e achou que neste havia poucos estandes e uma variedade menor de livros. Em outras edições, o Salão já teve 80 estandes; neste foram 28.

Mas, para a livreira Anna Valle a FNLIJ é uma fonte na qual irá sempre beber. Ela inaugurou no último Dia da Criança a livraria Casa da Fábula, especializada em literatura infantil, em Itaipava, no Estado do Rio, onde há um ano tem também a Gallerya Book Shop, livraria com destaque para filosofia, arte e literatura.

Na FNLIJ conheceu a bibliotecária colombiana Silvia Catlon,  da livraria infantil Babel, em Bogotá, onde funciona também uma biblioteca infantil e replicou a experiência em sua livraria que, com pouco mais de um mês de vida, já tem uma biblioteca que funciona aos sábados com vários leitores cadastrados.

“Nossa missão é transformar as crianças em pequenos leitores”, diz Anna, “com a biblioteca dialogamos com o público de todas camadas. Não é democratizar; todos têm o direito de ler e escrever”. Para ela, “é muito gratificante ver a literatura infantil produzida aqui ser reconhecida e aclamada mundo afora.” E acredita que "o livro infantil é a primeira obra de arte a que a criança tem acesso".

 

21/11/2019

 

 

 

 

 

 

 

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