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Vozes de fôlego


Editora, no Brasil, de Jung, Foucault e Sartre, a Vozes completa 120 anos, com literatura de referência em diversas áreas do conhecimento e mostra que apesar de católica nem sempre diz amém.

 


Fundada em  Petrópolis, RJ, em 5 de março de 1901, por frades franciscanos  vindos da Alemanha, a editora teve problemas com o regime militar de 64, por causa de livros de Paulo Freire, Darcy Ribeiro e outros de temas controversos, do feminismo à renda mínima.

Também gerou polêmica com a Igreja por causa das obras de Leonardo Boff, ex-frade franciscano, disseminador, no Brasil, da Teologia da Libertação, autor de Igreja, carisma e poder, sobre a hierarquia da Igreja Católica, que lhe rendeu um  processo em Roma.

No catálogo de quase três mil títulos a Vozes abriu espaço para orientações espirituais diversas como os livros do monge budista Thich Nhat Hanh, autor de Meditação andando, na 21ª edição, e novidades  como O grande livro do Ho’ponopono, sobre práticas espirituais havaianas.

À exceção de O homem e seus símbolos e Sonhos memórias e reflexões, editou toda a obra de Carl Jung, fundador da psicologia analítica e as obras do filósofo existencialista  Jean Paul Sartre, como O ser e o nada.

Teobaldo Heidemann, coordenador nacional de vendas da editora, fez a curadoria para as redes sociais de 20 títulos icônicos lançados por ela nestes 120 anos onde estão, entre outros, Vigiar e Punir, de Michel Foucault,  O corpo fala, de Pierre Weill,  Imitação de Cristo de Tomás de Kempis e Brasil nunca mais, de Dom Paulo Evaristo Arns.

Para Teobaldo  o maior legado da editora são esses chamados long sellers, ou cauda longa, obras que influenciam gerações. Também destaca o pioneirismo  da editora no gênero filosofia pop com o lançamento em 2005 de Não espere pelo epitáfio, do filósofo e professor Mario Sergio Cortella.

Dois anos mais tarde, o mesmo autor lançou Qual é a tua obra,  best-seller com mais de um milhão de exemplares. Hoje, no gênero,  um dos mais vendidos pela editora  é Sociedade do Cansaço, do filósofo sul coreano Byung Chul Han.

Teobaldo diz que a Vozes  tem uma postura de neutralidade editorial que contribua para o debate político e  defesa das diferenças: ”Radicalismos não publicamos, há que ser movido pelo argumento e não pela agressão”.

A editora tem quatro editorias; calendários, catequese, teologia e ciências humanas e sociais. Nesta última publicou  sobre movimentos sociais como as manifestações de rua no  Brasil em 2013 e o movimento pelo impeachment da presidente Dilma.

Teobaldo diz que a diversidade de pensamento na editora cria um contexto de pluralidade para a construção de uma pessoa : “O grande poder está no amor e não na sobreposição. Podemos aprender com tradições diferentes sem ter de assumí- las.”

O maior sucesso da Vozes é o livro de bolso  Minutos de Sabedoria: 4 milhões de exemplares desde 1966, em 8° lugar, hoje, na lista de autoajuda do PublishNews. O autor, Carlos Torres Pastorino, ex-padre que se voltou para Doutrina Espírita, fundou em 67, no Rio, a livraria Sabedoria, que durou até 1980.

Fora de Petrópolis, a Vozes tem uma rede de 16 livrarias em outras cidades  com a primeira inaugurada em 1940  no Centro do  Rio, onde esteve em 4 endereços antes do atual na Rua Gonçalves Dias. O de maior permanência foi na Rua Senador Dantas por 60 anos.

Felipe Moreira, gerente da filial carioca há 8 anos, pegou a loja da Rua 7 de Setembro, onde a Vozes esteve desde 2007, e atribui a mudança para o novo endereço, em 2016, às obras de implementação do Veículo Leve sobre Trilhos – VLT -  que atrapalharam o trânsito de pedestres e influenciaram um aumento de 30% no aluguel do antigo endereço.

“Os donos de lojas acreditaram que o VLT seria a cereja do bolo e valorizaria a rua” lembra ele, Isso determinou aumento dos aluguéis, mas o que houve foi uma redução de pedestres; muitos que antes transitavam  a pé fazem o percurso no novo transporte .

No endereço atual, a poucos metros da Confeitaria Colombo, tradicional ponto turístico da cidade, a Vozes agregou um público de nível acima do da 7 de Setembro, onde o comércio é mais popular, e ganhou em tamanho; a anterior tinha 150 m² e a atual 300m²  em três andares.

O movimento no Centro caiu com o Covid-19 e Felipe acredita que depois que a pandemia for superada a região, basicamente ocupada por edifícios de escritórios, não retornará ao que era antes; “muitas empresas continuarão com o home office e vários prédios deverão se tornar residenciais”.

Durante a quarentena, em 2019, Felipe trabalhou sozinho por alguns meses na loja fechada e viu o movimento no site da livraria crescer em cerca de 200% com aumento na procura de livros de autoajuda como Em busca de sentido, de Victor Frankl, outro longo seller da editora com média de 70 mil livros por ano.

Hoje  os 12 livros mais vendidos na filial carioca são de espiritualidade com o primeiro lugar para Tratado da verdadeira devoção, de São Luis. A Folhinha do Sagrado Coração é best-seller na seção de artigos religiosos; há livros de outras editoras e livros infantis, religiosos ou seculares.

Apesar do aumento do mercado para a literatura infantil a Vozes, segundo o coordenador de vendas Teobaldo Heidemann, não investe no gênero por que há editoras que fazem isso muito bem; prefere focar nas áreas em que já tem uma presença forte.

Segundo ele, a  editora também tem foco em  pequenas livrarias para combater a concentração do mercado;  depois da quarentena fez campanha pelas redes sociais com bônus de 20% na consignação para as 40 livrarias que aderiram, num total de 70 mil reais.

Para Teobaldo, a concentração do mercado sempre existiu e não adianta demonizar o concentrador: “É preciso agir com discernimento  e fortalecer as possibilidades que não permitam a concentração.” Na Vozes, 60% do faturamento vem de pequenas livrarias e o maior cliente, segundo ele, detém apenas 8%.

O coordenador de vendas, há 30 anos na empresa, acredita que o livro manterá seu espaço no mercado e tem se posicionado bem frente às novas tecnologias: “O  livro é um porto seguro quando se quer uma opinião sobre a complexidade do mundo pós-moderno.”

 

23/03/2021

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