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Rio Zona Norte

 

Região mais populosa da cidade, carente de livrarias, tem o bairro com o maior número delas no Rio, a Tijuca, com 11, enquanto  o empreendedorismo individual e das redes investe em  disseminar livros  nas áreas onde não há oferta.

No livro História das Livrarias Cariocas , Ubiratan Machado  diz que  a partir dos anos 80, pela primeira vez no comércio do livro no Rio de Janeiro, o Centro perde a primazia  como atração para novos investimentos: “Ao longo do tempo, o número de livrarias do Centro, sempre superou a soma das demais livrarias da cidade”

Hoje, segundo o Guia de Livrarias do Estado do Rio de Janeiro, lançado pela Associação Estadual de Livrarias RJ, em 2022,  o Centro tem 49 livrarias, seguido pela Zona Norte, com 42, Zona Sul, com 37 e Zona Oeste com 17, num total de 145 lojas na cidade.

 

O livreiro Fábio Brito, na Casa da Árvore, livraria mais nova da Zona Norte


A Tijuca, perto do Centro,  conhecida como “Zona Sul da Zona Norte” pelo poder aquisitivo da população, é o bairro com mais livrarias da cidade com 11 e onde  estão a mais nova e a mais antiga da Zona Norte; a Casa da Árvore, fundada em 2021 e a Eldorado, em 1961.

A Casa da Árvore é dos sócios Fábio Brito e Eduardo Ribeiro que, em 2020, abriram uma pequena livraria  homônima no bairro da Saúde, colado ao Centro, dentro do restaurante Casa Omolukum, de culinária de matriz africana, onde 90% dos livros são sobre cultura afro.

Na loja da Tijuca, o acervo com a mesma raiz foi ampliado; há mais literatura, ciências humanas, com ênfase em política e história, feminismo, antirracismo e uma seção  de autores negros. Na parte infantil 60% dos livros têm temática afro e também falam de feminismo e outros temas políticos.

Fábio, ex-Saraiva, Leonardo da Vinci e Berinjela, diz, com modéstia que a Casa da Árvore é uma cópia mal feita da Folha Seca, livraria do Centro, especializada em  futebol e temas cariocas. E também cita como referência a Simples, em São Paulo, que conhece através do site e “tem uma pegada mais humanista”.

Para ele, a Casa da Árvore começa a criar identidade, mas a livraria já  está à esquerda politicamente, pelo acervo, pela placa azul na parede onde se lê Rua Marielle Franco, em homenagem à vereadora assassinada no Rio em 2018,  e por outros produtos à mostra.

Há bonés e camisetas como a que reproduz em tecido vermelho o quadro do artista plástico Hélio Oiticica onde  acima da foto do corpo do bandido Cara de Cavalo se lê; “Seja marginal, seja herói”, ou o Kapital que, em uma caixa também vermelha, traz uma versão com conceitos marxistas do tradicional jogo Banco Imobiliário .

Entre os livros, os campeões de vendas são os do historiador  Luiz Antonio Simas que, morador da região, foi determinante na escolha da localização da livraria, em frente ao bar Madri,  onde uma vez por mês, à tarde, ele dá uma aula de história grátis.

Quando há aulas a rua fica lotada, diz Fábio, “e vendemos o equivalente  a quinze dias”. É nesse bar,  e no bar ao lado, que são  promovidos os eventos da livraria já que a pequena loja montada com estantes de uma unidade fechada pela Saraiva não comporta um grande número de pessoas.

A presença de outras livrarias no bairro não pertuba a Casa da Árvore, mas a concorrência das editoras on-line incomoda. Fábio reclama dos descontos nos sites, às vezes maiores que os dados a ele e da  pré-venda  on-line de lançamentos antes da distribuição no mercado.

Já a Eldorado, livraria mais antiga da Zona Norte,  sofre com a concorrência das editoras na internet  e também nas escolas. Durante muitos anos o livro didático foi o carro chefe da livraria que inovou com crédito para os alunos e  que agora tem a concorrência das editoras  na facilitação da compra dos  Sistemas de Ensino nas escolas.

Fundada em 1961, a Eldorado foi durante anos a única livraria da Tijuca, última remanescente  da rede que começou  na década de 50 em Copacabana e teve, entre outras,  lojas em Madureira, Méier e Piedade até se desintegrar nos anos 90  com  aquisição da unidade tijucana pelos livreiros independentes Geovaldo Barbosa e Isaque Lerbak.

Com a saída do primeiro e o falecimento de Isaque, em 2020, Alécio Alvico, que desde 2010 foi consultor da livraria na administração, entrou como sócio majoritário. Professor de Ciências Contábeis  e Engenharia de Produção, ele apostou no mercado do livro por acreditar na leitura como agente de transformação.

Alécio diz que o livro deve estar fora do processo capitalista de lucro, tendo algum subsídio para  facilitar o acesso do leitor e cita o exemplo do Vale Livro , distribuído pela Secretaria Municipal de Educação  entre os anos de 2009 e 2017 dentro do projeto Rio uma Cidade  de Leitores.

Com o valor do preço médio de um livro, o Vale foi distribuído anualmente, nesse período, a cerca de 40 mil professores da rede municipal  e trocado obrigatoriamente em livrarias; beneficiou os profissionais de ensino e as livrarias que conquistaram novos clientes.

Com a quebra da cadeia produtiva do livro pela venda das editoras direto nas escolas, Alécio diz que a Eldorado, “últimos dos moicanos”  entre as livrarias generalistas com ênfase nos didáticos,  vai se reinventar. Ele acredita num modelo de livrarias pequenas com entre 2 ou 3 atendentes e alguma forma de segmentação, embora não questione a permanência das redes no mercado.

Foi pela Zona Norte que a  Leitura, vinda de Belo Horizonte,  iniciou a  presença no Rio com a inauguração em 2013  da primeira loja  em Del Castilho, até se tornar, com 12 lojas, a maior rede de livrarias da cidade; com   uma segunda unidade na Zona Norte, na Tijuca.

Sócio de 10 das lojas cariocas Rodrigo Bernardes  diz que a Leitura quebrou um paradigma ao  entrar na cidade através de praças onde não havia livrarias e investir nas classes B,C e D. Apesar do consumo menor  devido a renda mais baixa estava certo do sucesso em função do fluxo no shopping onde ela está, único na cidade com acesso direto por uma estação do Metrô.

A loja, que comemora dez anos em julho, concentrou o maior número de lançamentos da rede no Rio, até a abertura de novas unidades no Centro e Zona Sul e começar a briga com as editoras que optam por locais menos distantes para eventos.  A  loja da Zona Norte , no entanto, continua  entre as três com maior número de lançamentos.

Segundo Rodrigo, no Brasil há mais shoppings que livrarias  e esses têm feito convites à Leitura para inaugurar  novas unidades já que livrarias estão entre os três tipos de comércio mais pedidos pelo público por serem tidas hoje como locais de entretenimento nos shoppings.

Já a Saraiva,  que em 2016,  no auge de sua expansão  também teve 12 lojas na cidade, com a primeira no Centro em 1988,  tem hoje, na Zona Norte, sua última livraria carioca, no bairro de Caxambi.

Mas Marcos Guedes, o CEO da Saraiva, afirma que ela, que  teve outras três lojas na Zona Norte, na Tijuca, Vila Isabel e uma terceira no mesmo shopping em que está a atual, pretende recuperar a presença no Rio de Janeiro.

Outras redes já  estiveram na Zona Norte, como a Entrelivros, Sodiler e Nobel, esta com  quatro  lojas em 2017, todas fechadas desde então. Mas o empreendedorismo  individual também mantêm acessa a chama do incentivo à leitura na região.

“Apaixonadíssimo por livros”  Borgópio D’Oliveira frequentou  as livrarias do Centro quando trabalhou na administração de uma rede varejista de moda,  e, depois de um ano sabático, após a sua saída da empresa,  decidiu suprir a carência de livrarias em Irajá, bairro , onde mora,  fundando em 2015 a  Triuno.

A livraria começou pequena em uma rua secundária e três anos depois se mudou para a via principal, que dá acesso à estação do Metrô em um espaço  maior. Borgópio também anexou  recentemente, a loja ao lado, um bazar, onde também expõe livros.

Ele diz não ter nada contra os bares  do bairro, que fazem parte da cultura local, mas que a leitura precisa ser incentivada através de uma loja física que, a princípio,  provocou reações de espanto, mas “ no geral a aceitação tem sido excelente”.

“Só de passar em frente à livraria física muitos resgatam o hábito da leitura”, diz Borgópio, que também pega o leitor pelo ouvido; foi o primeiro anunciante da Rádio Comercial Irajá, que divulga a livraria por autofalantes  na rua entre 9h e 19h.

A Triuno  também é divulgada no mundo virtual por uma agência de comunicação e é onde interage com outras livrarias através das redes sociais. Localmente,  trabalha “a questão do bairro”, segundo Borgópio,  com apoio aos escritores locais, lançamentos, saraus de poesia, eventos musicais e tem programado um workshop de fotografia para amadores.

Ivan Costa, ex-Leonardo da Vinci, Berinjela e Livreiro Errante, quando vendeu livros em um  triciclo em diferentes eventos na cidade , fundou a Belle Epoque em 2018, no Méier  e também, através dela,  agita culturalmente o bairro.

A livraria fica estrategicamente em frente a um colégio de ensino médio em uma pacata rua na região que ele apelidou de “Fígado do Méier” em contraponto ao “Coração do Méier” , parte movimentada do bairro do outro lado da linha de trem. Mas o movimento na rua cresce quando a livraria promove, sempre em um sábado,  o evento A Belle e a Feira .

Além de livros, há barracas de gastronomia, artigos esotéricos, roupas,  eventos musicais e a presença de um escritor de peso. Na próxima edição, em 20 de maio, haverá também debate sobre Cidade e Meio Ambiente e barracas com produtos orgânicos.

Já tendo inaugurado a Belle Époque, Ivan foi  sócio de Fábio e Eduardo  nas duas lojas da Casa da Árvore abertas depois , mas optou  em sair da sociedade  e se dedicar exclusivamente à Belle Époque, embora a parceria  com os ex-sócios continue na divulgação da leitura.

Neste fim de semana as duas livrarias participam de  uma feira de livros na quadra da Portela, em Oswaldo Cruz, que já teve uma edição anterior com elas,  mas que agora vem também com um debate em comemoração ao centenário da Escola de Samba.

Em 2020 a Belle Époque ganhou fama nacional pelo  incêndio que a destruiu totalmente e pela onda solidária que permitiu a reinauguração em janeiro deste ano e contou com doações  de livrarias de diferentes  bairros como a Argumento, no Leblon, a Baratos da Ribeiro, em Botafogo, a Berinjela, no Centro  e a Copabooks, em Copacabana,  mostrando que em uma cidade dividida, há união dos livreiros em prol da leitura para todos cariocas.

 

28/042023