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Livreiros e imortais

 

Realizada pela primeira vez na Academia Brasileira de Letras, invés de hotéis na orla carioca, a Convenção Nacional de Livrarias, que alterna Rio e São Paulo às vésperas da Bienal do Livro em cada cidade, agradou no novo cenário e no conteúdo em sua 31ª edição.

 

Associados da AELRJ na 31ª Convenção Nacional de Livrarias, na Academia Brasileira de Letras

 

Na abertura do evento, organizado pela Associação Nacional Livrarias, o acadêmico  e imortal Antonio Carlos Secchin lembrou   que foi  o livreiro e editor Francisco Alves, bem sucedido player do mercado editorial brasileiro, um dos que mais fez pela ABL ao doar grande parte do seu legado à instituição após sua morte em 1917.

A ideia da Convenção na Academia foi de Rui Campos, da Livraria da Travessa, associada  da AELRJ. Ele mediou a mesa dividida com dois acadêmicos, os escritores Rosiska Darcy Oliveira e Ruy Castro que corroboraram a escolha do local. Para ela, livrarias são casas de cultura como é a Academia, que tem feito um esforço para se livrar de estereótipos e mostrar que é uma casa aberta.

Mudar a opinião pública também é o objetivo na luta pela aprovação  da Lei Cortez, com o preço único para o livro, tema mais importante da Convenção, abordado na primeira mesa do evento. Na consulta pública no site do Senado o não à lei vence por larga margem, mas o placar pode ser mudado ou pode-se tentar negociar a aprovação  diretamente com o executivo.

Dante Cid, da Elsevier, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, apoia seu antecessor no cargo, Marcos Pereira, da Sextante, que no governo Temer, junto com outras entidades, tentou negociar com o executivo. No governo passado, disse ele,  essa negociação ficou difícil mas agora as possibilidades são melhores:“ Se temos uma chance de fazer acontecer pelo executivo, essa chance está nesse governo.”

Alexandre Francisco Alves, da Livraria Francisco Alves, mediador da mesa lembrou que na França, lei similar, foi aprovada via executivo há quarenta anos e hoje tem apoio da maior parte da população que a princípio se mostrou contra. Segundo ele, em todos países que a lei existe o preço do livro tende a cair.

Francini Ramalho, secretária executiva da ANL, disse que  a 31ª Convenção de Livrarias teve público recorde com 300 inscritos  e, segundo ela, a distribuição de brindes também voltou a ser significativa, como em outras convenções, com várias bolsas promocionais  com, entre outros brindes, o Anuário de Livrarias, lançado pela ANL, canetas, agendas, blocos de post-it, livros infantis e  outros gêneros.

A AELRJ,  com 25 livreiros inscritos na Convenção, também marcou um recorde, tendo entre eles veteranos e novatos do Rio e interior do estado como Solange Whehaibe, que veio de Volta Redonda para o evento.

Ex-presidente da AELRJ, Solange disse que foi a quase todas convenções da ANL, desde a primeira. Fica feliz de ver que editores não são mais contra o preço único para o livro e lutam pela Lei Cortez, em Brasília. Lembrou que a AELRJ foi a primeira entidade no Brasil a defender essa política  em abaixo assinado de livreiros em 1999 divulgado no 30º Encontro de Livreiros e Editores em Florianópolis.

Acompanhando Solange estava o novo presidente da AELRJ, Borgópio D’Oliveira, que pela primeira vez participou de uma Convenção de Livrarias. Fundador da Triuno, há oito anos, no bairro de Irajá, zona norte do Rio, e empenhado na integração da livraria com a comunidade, disse que só o novo cargo à frente da associação o tem feito sair de Irajá, onde também reside. Para ele a Convenção foi inspiradora e ouviu o que gostaria de ouvir.

Também estreando na convenção estavam  sócias da Casa 11, mais nova livraria carioca, inaugurada em Laranjeiras, Zona Sul do Rio: Ana Claudia Calomeni reclamou da falta de tempo para interação do público com os debatedores e reivindicou espaço para livrarias pequenas na programação embora gostasse dos cases das grandes: “Todo livreiro tem muita coisa para contar”.

Ana Mallet,  outra sócia na Casa 11, também nunca havia ido a uma convenção, apesar de ter sido livreira por  20 anos na Largo das Letras, em Santa Teresa, Zona Sul, do Rio. Ela  aproveitou o preço promocional para os associados da AELRJ para ir com os sócios que falaram do lançamento dos livros do  escritor angolano Ondjaki neste sábado, a partir das 17h, na Casa 11.

Já Marcus Gasparian, da Livraria Argumento, no Leblon, Zona Sul do Rio, não ia a uma convenção há 15 anos e diz não gostar de palestras motivacionais comuns no evento, que nessa ficou a cargo de João Branco escritor e  ex- CMO de uma rede de lanchonetes multinacional, com o tema Empreender com propósito.

Marcus, no entanto, achou que nessa  31ª houve temas relevantes e ele, como participante do debate sobre As boas práticas para o mercado do livro, ganhou apoio dos colegas ao afirmar que com tantos descontos sendo dados na internet, as livrarias vão passar a  serem vistas como lugares suspeitos que querem levar vantagem sobre o cliente.

Praticante do dumping na venda de livros- a arqui-inimiga dos livreiros na guerra dos descontos é retratada  na obra  que os participantes da Convenção receberam da Editora Elefante: Como resistir à Amazon e por quê, de Danny Caine, com o subtítulo: a luta por economias locais, proteção de dados, trabalho justo, livrarias independentes, um futuro impulsionado por pessoas.

Também da Editora Elefante é Tadeu Breda, participante de mesa na manhã de quinta feira,  que foi contundente na crítica às editoras  que vendem ao público com descontos, prática que, segundo ele, recrudesceu na pandemia quando as livrarias estiveram fechadas e continua durante a retomada.

Imortal da Academia, desde 2021, Gilberto Gil foi a grande atração do  evento, mas o que menos falou na mesa que dividiu com a mulher Flora,Daniel Kondo ilustrador do livro Nós, a gente com letras de suas músicas, lançado pela WMF, que teve Alexandre Martins Fontes como mediador.

Contudo, foi poeta ao comparar os livros que tinha em casa na infância, como membro de uma elite privilegiada, com janelinhas para o mundo, entre eles a enciclopédia Tesouro da Juventude e a coleção completa de Monteiro Lobato. Depois do livro, segundo ele, vieram outras janelas como o cinema, o teatro e a música

Livrarias são lugar de encontro e o melhor da Convenção, encerrada por Marcos Telles com o lançamento do, Anuário de Livrarias, é segundo ele a possibilidade dela gerar encontros: ”Gosto de estar com um ou outro no corredor, no café e trocar ideias”.

O presidente da ANL agradeceu à AELRJ pela cessão dos dados do Guia Livrarias do Estado do Rio de Janeiro, editado em 2022, que ajudaram a compor o Anuário da ANL onde estão contabilizadas 2 792 livrarias em todo o país.

Ao encerrar ele lembrou de Oswaldo Siciliano, ex-dono da maior rede de livrarias do país até ser comprada pela Saraiva, falecido dia 22, para também  homenagear dois livreiros falecidos recentemente, Antonio Carlos de Carvalho, da Livraria Galileu, e Isaque Lerbak, da livraria Eldorado, presidente e tesoureiro da AELRJ. Depois, os participantes retornaram para a última rodada na bem servida mesa do café para novos encontros e despedidas.

 

Kleber Oliveira

1/09/23