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Mobilização por um patrimônio brasileiro

 

Poder Público e sociedade civil se unem para preservar livraria mais antiga do país – a Ao Livro Verde, em Campos dos Goytacazes – que prestes a completar 180 anos, no mesmo local, está ameaçada de fechamento.

 

Ao Livro Verde por Ronaldo Araujo do grupo Urban Sketchers, seção Campos dos Goytacazes

 

SOS Ao Livro Verde, movimento criado para salvar a livraria mais antiga do Brasil, que em junho entrou com pedido de falência por causa de uma dívida milionária, tem conseguido avançar junto ao poder público para que ela não feche.

Nesta terça feira foi apresentado na Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes, um relatório de 250 páginas que mostra como isso poderá ser feito sem alocação de recursos públicos para  pagar divídas da iniciativa privada, que é proibido por lei.

O relatório, aprovado por unanimidade, que teve como relator Adelfran Lacerda, Presidente da Fundação Cultural de Campos, inclui um abaixo assinado em prol da livraria com 2 100 assinaturas  e 20 propostas, entre elas  a criação da Casa de Cultura Ao  Livro Verde, desapropriação do imóvel onde a livraria está e a criação da Associação dos Amigos da Ao Livro Verde, que, segundo Adelfran, começa a ser articulada ainda mês.

A Associação Estadual de Livrarias RJ, em conjunto com a Associação Nacional de Livrarias enviou carta de apoio ao movimento que teve adesão de cerca de 50 outras empresas e entidades como a Associação Brasileira de Imprensa, Ordem dos Advogados do Brasil e Academia Brasileira de Letras.

Houve formas originais de apoiar como a do grupo internacional Urban Sketchers,  que  usa  o desenho para chamar atenção para o patrimônio arquitetônico urbano  e convocou seus integrantes da seção de Campos para retratarem a livraria e protestarem contra o fechamento.

Entre as livrarias mais antigas do mundo, a Ao Livro Verde é 112 anos mais jovem que a Bertrand, em Lisboa, Portugal, que, fundada em 1732,  está em primeiro lugar com 281 anos.

Em 1994,  na comemoração dos 150 anos, a livraria foi homenageada  pelo jornal O Globo em editorial com título Resistência: “A longevidade dispensa considerações sobre o significado e a importância da Ao Livro Verde. É gratificação bastante no terreno minado da cultura brasileira saber que ela subsistiu”.

Uma das primeiras aparições da livrarias na imprensa, foi logo após a inauguração em 1844 em anúncio no jornal O Monitor Campista que, além de livros, relacionava outros produtos da casa como perfumes, joias e “o verdadeiro rapé Bernardes, que já supre a falta do Princesa, de Lisboa.”

Hoje, segundo o jornal local Terceira Via, “ Todo campista que se preze sabe onde fica a livraria e tem algum tipo de história para contar do local." O por quê do nome Ao Livro Verde se perdeu na história, mas há lendas urbanas como a de que foi nela que o abolicionista campista José do Patrocínio comprou a caneta  com que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

Outro campista, o  imortal da ABL José Cândido de Carvalho, cita a Ao Livro Verde no romance O coronel e o lobisomem, onde o personagem principal usava a livraria como escritório; e no seu último romance,  o inacabado O Rei Baltazar, que  tem um personagem inspirado no pai de Ronaldo Sobral, atual proprietário, de quem o escritor era amigo.

Campos dos Goytacazes é o sexto maior município do interior do Estado do Rio, fundado em 1835, apenas 9 anos antes da livraria. Devido à localização, era estratégico no comércio marítimo internacional, através do Cais do Imperador, com importação e exportação de produtos e tráfico de escravos.

A importância era tal que, em 1883 Dom Pedro II inaugurou na cidade o primeiro serviço público de iluminação da América Latina; uma termelétrica a vapor que fornecia energia para 39 lâmpadas nas ruas.

Muitas famílias portuguesas se estabeleceram na região em fazendas de café e açúcar e foi para atender esse público que trazia professores de Portugal para a educação dos filhos, que o português José Vaz Correa Coimbra, inaugurou a Ao Livro Verde  que logo virou ponto de encontro dos intelectuais da região.

Depois do fundador, a Ao Livro Verde teve dois outros proprietários, um português e um alemão, até chegar ao pai de Ronaldo Sobral, atual dono. Este, com 77 anos, trabalhou 61 anos na casa e diz ter ouvido muitas histórias do pai e presenciado outras tantas relacionadas aos intelectuais que por alí passaram com quem diz ter aprendido muito: "Foi um privilégio ter estado à frente de uma livraria com esse histórico".

Ronado atribui à pandemia do Covid a principal causa da dívida milionária que o fez entrar com pedido de falência. Mas antes, a decadência da livraria vinha sendo provocada pela concorrência desleal das editoras que vendem livros diretamente  aos alunos nas escolas e privaram a Ao Livro Verde da venda do livro didático, seu carro chefe.

Ronaldo diz ter sofrido muito antes de decidir entrar com o pedido de falência e  que o movimento formado pela sociedade civil  para a preservação da livraria o surpreendeu: "todo dia entra gente aqui chorando dizendo que a livraria não pode fechar".

 

 

Kleber Oliveira

11/10/2023