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Em defesa das livrarias

 


 

 


A Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro  comemorou 30 anos nesta quinta, 23,  com o mérito de ter sido a primeira entidade brasileira a reivindicar a regulação do preço do livro novo num momento em que vários players do mercado editorial  foram contra a medida e agora  estão unidos a favor dela, que tramita no Congresso Nacional  com o nome de Lei Cortêz.

Segundo Milena Duchiade, ex-presidente da entidade, a AEL apresentou a reivindicação assinada por vários livreiros em 1999 no 30º Congresso de Editores e Livreiros em Florianópolis, SC. Desde então, as mudanças no mercado convenceram da necessidade de uma regulação de preço que impeça práticas ilícitas que hoje acontecem, sobretudo, na internet.

No Estado do Rio,  a nova face do mercado, que se expande além do eixo centro/zona sul e fronteiras da capital,  é revelada pela nova diretoria da entidade: o atual presidente Borgópio D’Oliveira fundou a Triuno Livraria há 8 anos em Irajá, Zona Norte no Rio e o vice-presidente Ivan Errante é dono da Belle Époque, fundada há cinco anos no Méier, também na Zona Norte.

“As livrarias, em especial no estado do Rio,  estão se reinventando. Embora a repercussão do 'Caso Saraiva' tenha dominado as manchetes, frequentemente há notícias de lojas abrindo. Exemplos recentes são a D'Lopes na Taquara, Zona Oeste do Rio,  Córdula,  em São João de Meriti e a Funambule em Teresópolis.”  Diz Borgópio.

Desde que assumiu a presidência em junho ele tem priorizado a busca por novos associados para a entidade, ainda desconhecida para alguns livreiros. Entre outras, se juntaram à AEL, desde então,  a Casa 11, em Laranjeiras, a Insight, no Centro;  a Hilário, na Saúde; a Machado e Cia, na Ilha do Fundão e a Ponte, em Niterói.

Sangue novo com ideias novas como a do debate O negro na livraria, apresentado pela AEL, em setembro, na Bienal do Livro, sobre a questão racial no mercado - do leitor ao livreiro negro - com abordagem, entre outros temas,  da negritude de Machado de Assis e do primeiro editor dele, Paula Brito.

Na origem, a AEL foi a união de livreiros dispersos pela cidade e estado do Rio; foi fundada em 1993 por Solange Whehaibe, da Veredas, em Volta Redonda; Paulo Roberto Lisboa, da Obelisco, em Petrópolis; José Roberto Fonseca, da Itatiaia, em Caxias, Derly Cereja, do Bazar Cerejinha, na Ilha do Governador e Vânia Abreu de Figueiredo, da Eldorado, na Tijuca.

O foco da união foi a venda de livros didáticos numa luta, segundo Vânia, contra a diminuição dos descontos no livro didático e, a venda direta para escolas. “Casa Mattos e Casa Cruz, grupos fortes nos livros escolares se uniram a nós ” lembra ela sobre duas redes de papelaria que não existem mais.

Paulo Roberto Lisboa, o primeiro presidente da AEL de 1993 a 1997 teve sete lojas em Petrópolis com papelaria, material escolar e didáticos sendo a Obelisco só com livros. Segundo ele, o grupo de livreiros obteve avanços; melhoria na agilidade da entrega pelas editoras, compras conjuntas que aumentavam o desconto e possibilidade de troca de didáticos entre eles.

Mas a venda dos didáticos pelas editoras nas escolas  enfraqueceu a força destes nas livrarias onde eram o carro chefe e o fez  mudar de ramo: “me angustiava o crescimento da papelaria e brinquedos e a diminuição dos livros em minhas lojas”.

Hoje, à  frente de uma empresa em Vila Velha, ES, Paulo Roberto dá palestras pelo país sobre liderança e empreendedorismo e ainda defende o lema usado pela AEL em campanhas institucionais na imprensa: “O autor escreve, o editor edita, o distribuidor distribui e a livraria vende o livro”. “ Não tenho conhecimento de fábricas de pneus que vendam diretamente ao consumidor”, observa ele sobre a cadeia de produção e venda no mercado, quebrada pelas editoras no ramo editorial.

Por indicação dele, a sucessão na presidência da AEL foi com o livreiro Jack London, homônimo do famoso escritor norte americano, cuja mãe tinha London no sobrenome e decidiu homenagear o autor, de quem era fã. Em meio ao seu mandato à frente da livraria Armazém dos Livros, o livreiro, falecido em 2016, de gênio empreendedor deixou a AEL para investir no mundo digital e criar a Booknet, primeiro e-commerce de livros do Brasil, depois adquirido pela Submarino.

Autor de 5 livros, entre eles, O Mundo Real Vai Acabar Amanhã?, sobre tecnologia e negócios  Jack London era um visionário, segundo  Solange Whehaibe que o sucedeu e presidiu a AEL  entre 2000/3. Ela, por sua vez, tem como característica o ativismo político que colaborou na fundação da AEL, na frequência assídua às reuniões da entidade mesmo sendo de Volta Redonda,  e nas outras funções que ocupou na diretoria  e também na Associação Nacional de Livrarias.

Para Solange trata-se de uma luta político ideológica: “Como um país vai viver sem livrarias?”, questiona.” As pessoas vão comprar pela internet sem ter uma livraria para sentar, para ter um debate?”. Ela passou a Livraria Veredas para a sobrinha Thaís Whehaibe que a rebatizou de Diadorim, mas continua ativa em prol do livro, disposta a ir à Brasilia fazer lloby pela Lei Cortêz.

“Acho que falta algo como conquistar os intelectuais, as pessoas que têm acesso à mídia. Grandes escritores se fossem contados e conscientizados da importância dessa lei talvez nos apoiassem. Tem de ter mobilização, tem de ter lloby.”

Marcus Gasparian, da Livraria Argumento, foi presidente da AEL, a seguir, no biênio 2004/5 e deixou a posição quando assumiu a editora Paz e Terra, após o falecimento do pai Fernando Gasparian,  por ver um conflito de interesses. Para ele, a AEL tinha muito mais vontade de brigar, de reinvidicar que a própria ANL. “Eu trabalhava na Câmara Brasileira do Livro e via a ANL sempre calma. A AEL me causava um respeito: Esse pessoal briga forte. Vai no jornal, escreve artigo, espinafra os editores”.

Milena Duchiade o sucedeu na presidência entre 2006/8. Ela largou a medicina em 1997 para ser livreira com a mãe, Vana Piracini, na Leonardo da Vinci. Um  ano antes, fez curso para livreiros em Paris e tomou contato com a versão francesa da Lei Cortêz , a Lei Laing que fazia15 anos.

“A partir daí, me convenci que seria a melhor maneira de proteger o livro, editoras e  livrarias. Esse combate, em todos os fóruns em que pude participar, se tornou o fio condutor de minha participação enquanto livreira.”

Na gestão dela a AEL ganhou sede própria no Centro e passou a editar o Roteiro de Livrarias do Centro Histórico do Rio de Janeiro, mapa de sucesso, distribuído nas livrarias e espaços afins que incluía as atrações da região mais rica em cultura da cidade.

Hoje, a livreira que, com a venda da Leonardo da Vinci se tornou tradutora,  crê que a chama da AEL será mantida com ações que levem  leitores às livrarias, como os Roteiros e os vales livro distribuídos pela prefeitura aos professores: “num trabalho coletivo, fruto do esforço e compromisso de grupos de livreiros que passaram o bastão ao longo dos anos”.

O sucessor de Milena  na AEL  foi  Antonio Carlos de Carvalho, que presidiu a entidade em cinco mandatos não consecutivos a partir de 2009. Falecido em 2021, iniciou como livreiro em 1991 indo trabalhar com o pai, Edeir de Carvalho, na Livraria Galileu, da Tijuca.

Lutou pela isenção de IPTU para as livrarias, que beneficia as editoras cariocas; pela regulação da feira de livros que circula em pontos nobres da cidade e infrige as determinações da lei que a criou em 1963 com redução drástica do número de livreiros participantes e ocupação do espaço público por poucos privilegiados.

Fez campanha acirrada contra as editoras contra a venda de livros didáticos nas escolas e favorecimento aos grandes sites de vendas da internet: “ No dia em que o elo mais fraco do mercado do livro, as livrarias, for quebrado toda a corrente sentirá os efeito”, escreveu em carta divulgada pela mídia.

Entre os mandatos de Antonio Carlos a AEL foi presidida em 2017 por Glaucio Pereira, que não pode terminar a gestão porque a livraria República, no campus da Universidade Estadual do Rio de Janeiro- UERJ, faliu devido às constantes greves estudantis que se prolongaram por todo aquele ano.

Mas Glaucio deixou marca importante: além de  promover o 1º Festival das Livrarias, evento que durante um mês agitou as livrarias cariocas com atrações ligadas ao mercado editorial, dos livros aos quadrinhos,ele foi o responsável pelo Guia de Livrarias da Cidade do Rio de Janeiro, livro distribuído gratuitamente aos players do mercado e leitores com a relação e serviço completo das 204 livrarias que existiam então na cidade.

Em 2021, quando sucedeu ao último mandato de Antonio Carlos na presidência, Danielle Paul, da Livraria Castro Alves, em Araruama, deu continuidade ao trabalho de Glaucio lançando, em 2022, o Guia de Livrarias do Estado do Rio de Janeiro, que além das cariocas trouxe a relação das livrarias do interior do estado, apontando as áreas para as quais o mercado pode se expandir.

No período pós-pandemia a AEL  viveu, na gestão de Danielle,  uma realidade diferente: reuniões on-line, mas aproveitou  para fazer lives com convidados, como o professor Anibal Bragança, ex-livreiro, autor de livros sobre o mercado editorial e então editor da Editora da Universidade Fluminense.Danielle, depois de deixar a presidência da entidade este ano também se dedica a escrever sobre o mercado trabalhando em tese de doutorado sobre A função social das livrarias.

Apesar de combativa, a AEL mantêm boas relações com demais entidades ligadas ao livro. A associação cede um espaço da sede no Centro para a Liga Brasileira dos Editores Independentes, a LIBRE,  e tem boa relação com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, SNEL, que patrocinou, em 2022, o Guia de Livrarias do Estado do Rio de Janeiro, cujos dados ela cedeu à Associação Nacional de Livrarias, ANL, para o lançamento, em 2023 do Anuário Nacional de Livrarias.

Também fez parceria  com a Secretaria Municipal de Cultura que patrocinou uma edição do Roteiro de Livrarias do Centro Histórico do Rio de Janeiro e  com a Secretária Municipal de Educação na distribuição dos vales livro a cerca de 40 mil professores  nas nove edições anuais em que foi vencedora do edital de convocação.

Com 30 anos de experiência nas lutas e parcerias do mercado editorial a AEL tem o gás para ser importante player na transformação do Rio, em 2025, segundo a eleição da UNESCO, em Capital Mundial do Livro, e mais que isso manter a tradição da cidade de capital com muitas livrarias.


Kleber Oliveira

23-11-2023