Fé nas livrarias
No estado do Rio onde, segundo o IBGE, o número de templos por habitante é recorde nacional, a bibliodiversidade religiosa disponível nas livrarias permite acesso a um conhecimento espiritual diferenciado.
Dados do censo 2022, divulgados no último dia 2, mostram que entre as dez cidades com maior concentração de templos no país, oito estão no estado do Rio. Itaboraí, região metropolitana, ficou em primeiro lugar com um estabelecimento religioso para cada 158 habitantes, seguido por Magé e Nova Iguaçu, na mesma região. O Censo não identifica os templos, mas pela facilidade de se estabelecerem, os evangélicos e os de matriz africana podem apresentar o maior aumento em número. “Expansão de templos não é um fenômeno da igreja católica”, diz Teobaldo Heidemann, coordenador de vendas da Editora Vozes: “A igreja segue a noção do Papa Francisco de criação de núcleos de fé e de convivência e tem pastorais orgânicas que geram a formação de líderes”. No Guia de Livrarias do Estado do Rio de Janeiro, lançado pela AELRJ em 2022, estão listadas 25 religiosas entre as 147 livrarias da capital:13 evangêlicas, 7 católicas, 3 espíritas e uma judaica. No interior do estado, do total de 67 livrarias, 10 são evangélicas e 5 católicas. Religiões afro, seguidas por parcela significativa da população do estado, não têm livrarias especializadas, mas conquistam espaço significativo nas novas livrarias da cidade. A Casa da Árvore, fundada em 2020, junto à Pedra do Sal, monumento na região central do Rio, importante na história afro-carioca, tem 50% do acervo sobre religiões de matriz africana, segundo Fabio Brito, que gerencia uma segunda Casa da Árvore, fundada em 2021, na Tijuca. Nesta, que também se divide entre ciências humanas e cultura afro o segmento religiosidade tem 10% do acervo e, segundo Fábio, alí, o best-seller é o carioca Luiz Antonio Simas, escritor, historiador e babalaô no culto de Ifá, da religião Yoruba, nativa da Nigéria. Embora o comércio de livros no Rio tenha iniciado no final do século XVII com os jesuitas no colégio da ordem no alto do extinto Morro do Castelo, no Centro, a livraria mais antiga da cidade é a da Federação Espírita Brasileira. Fundada em 1897, com 127 anos, ela está, desde 1911, em prédio de três andares no Centro, com auditório, biblioteca, salão de exposições e tem apenas obras da editora de mesmo nome fundada 13 anos antes. “A Doutrina Espírita se expandiu mais no Brasil do que na França” diz a diretora da entidade Regina Lucia Rodrigues: “ela nasceu com O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, publicado em 1857.” O Centro é a região de maior bibliodiversidade religiosa no Rio. Além da Livraria da FEB, tem a Livraria do Conselho Espírita do Rio de Janeiro, mais três católicas e cinco evangêlicas. As católicas são Lumen Christi, no Mosteiro de São Bento, mais Paulus e Paulinas, ambas fundadas na Itália pelo Padre Tiago Alberione, sendo uma dos Padres Paulinos e a outra das Irmãs Paulinas. No mercado editorial, ao contrário dos vários conflitos históricos entre as duas vertentes da fé cristã, católicos e protestantes convivem em paz e, segundo a Irmã Eloine Corazza, diretora da Paulinas, com lojas também em Niterói e Madureira, a rede recorre à evangélica CPAD para suprir as carências do acervo. Ligada à editora Casa Publicadora da Assembleia de Deus, a loja da CPAD, inaugurada em 2010 ocupa prédio de três andares tombado pelo Patrimônio Histórico e é a livraria religiosa mais bonita do Centro, após reforma em que adotou a arquitetura retrofit. Tem auditório, bistrô e o acervo inclui obras católicas e judaicas. Além da CPAD, com lojas em Guadalupe, Vicente de Carvalho, na Zona Norte, e em Niterói, o Centro tem, na área evangélica, a Sociedade Bíblica do Brasil, o Atacadão da Bíblia, o Sobrado da Bíblia e a Família Cristã, mais nova da região fundada em 2022. Dentre as religiosas a campeã em diversidade é a católica Vozes, que fechou uma loja no Centro em 2021, após a pandemia, com 81 anos, mas mantém, no estado do Rio, duas outras em Petrópolis, onde está a editora com 123 anos, fundada por frades franciscanos. Segundo Teobaldo Heidemann a diversidade de pensamento na editora cria um contexto de pluralidade para a construção de uma pessoa: “O grande poder está no amor e não na sobreposição. Podemos aprender com tradições diferentes sem ter de assumí-las.” Entre os best-sellers da Vozes além da tradição católica, está o monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh autor do recém-lançado Viver Buda,Viver Cristo e O grande livro do Ho’ponopono, de vários autores, sobre práticas espirituais havaianas. A religião judaica tem uma única loja no Rio, a Atzilut, fundada em 1999, no Largo do Machado, Zona Sul, cujo nome vem da tradição mística da Cabala e se refere ao mundo mais próximo de Deus. Segundo a fundadora, Luciana Meir, a loja tem artigos religiosos, produtos de Israel e participa de eventos anuais junto à comunidade como Páscoa, Ano Novo Judaico e Festa das Luzes. O Islamismo, terceira grande religião monoteísta, herdeira de tradições judaicas e cristãs, tem uma mesquita no Rio, cerca de dois mil praticantes no estado, segundo Fernando Celino, secretário da entidade, e nenhuma livraria na região especializada nessa fé: “Somos a minoria da minoria”.
Kleber Oliveira 20/02/2024 |