A interação imprensa - mercado editorial
O relacionamento entre jornais e livros apresenta tanto aproximações quanto divergências que variam desde a avaliação de uma obra até a política de preços do mercado, mas, em comum, eles compartilham, ao longo da história, a luta pela liberdade de expressão e multiplicidade de vozes.
Capa do Jornal Leia Livros publicado em agosto de 1979
A influência da imprensa no mercado pode ser medida na frase na capa de muitos livros recém-lançados: “best-seller do The New York Times”. Ela mostra que a lista de mais vendidos do jornal norte-americano ainda é um farol. Mas, com trajetórias cruzadas em muitos trechos de suas histórias, jornais e livros passam, com o surgimento das novas tecnologias, por experiências diferenciadas que, às vezes, resultam em uma imagem equivocada do mercado editorial pela imprensa. Todas as entidades do livro do país lutam, há anos, pela aprovação da Lei Cortez em trâmite no Congresso Nacional. Mas no último dia 3 ela foi criticada em editorial no jornal Folha de São Paulo sob o título “Tabelar preços de livros é caminho errado”. “Livrarias precisam se adaptar às mudanças culturais e tecnológicas sem prejudicar consumidores e autores”, diz o texto. Antes o jornal publicou duas colunas contra a lei assinadas pelo jornalista Elio Gaspari, também publicadas pelo jornal O Globo. Como ocorre com jornais, vendidos ao mesmo preço em qualquer local, a lei, que existe na Argentina, França, Portugal, México, Alemanha, entre outros, propõe preço fixo para o livro durante o ano de lançamento e tem amplo apoio da população desses países por proteger a bibliodiversidade. A Veja, revista de maior circulação no Brasil, publica a lista dos mais vendidos onde abaixo de cada título há o link compre aqui, direcionando exclusivamente ao site da Amazon, principal alvo da Lei Cortez por praticar dumping: venda de livros abaixo do custo que acaba com a concorrência e arrasa a bibliodiversidade. Para Alexandre Martins Fontes, presidente da Associação Nacional de Livrarias, a imprensa tem papel fundamental para a saúde do país e do mercado editorial.” Precisamos de uma imprensa comprometida a trazer informações verídicas para esclarecer o que realmente é a Lei Cortez: uma trincheira de resistência da bibliodiversidade contra o monopólio no setor livreiro.” Segundo ele, a longo prazo, a lei cria um mercado mais justo e sustentável , garante um preço mais acessível ao livro e fortalece a cadeia livreira: “precisamos trabalhar juntos; editoras, livrarias e veículos de comunicação, para que o impacto dessa lei seja amplamente compreendido pelo público.” A imagem do mercado livreiro transmitida pelos jornais nem sempre reflete a realidade; matéria sobre o fim da livraria Malasartes no jornal O Globo, de 31 de julho, cita, ao final, as livrarias fechadas no Rio desde 2021 precedidas pela fala de uma cliente: “As livrarias estão fechando. Está desesperador esse movimento”. Mas a lista das que foram inauguradas no mesmo período é omitida. Matéria no Caderno Zona Sul do mesmo jornal, em 14 de agosto sobre o comércio de livros usados teve a manchete: “ Na contramão das livrarias, sebos ganham força com preciosidades no acervo, eventos culturais e bom papo”. Segundo Marcos Telles, da rede Leitura : “embora o fechamento de livrarias tenha mais destaque na imprensa que as inaugurações, o setor vem crescendo desde 2021, com mais aberturas do que fechamentos.” Ele lembra que a Livraria Leitura abriu oito megastores, entre 2021 e 2024: “Além disso, surgiram muitas novas livrarias de rua, especialmente em bairros, mas essas inaugurações nem sempre sejam noticiadas pela imprensa, especialmente as nas regiões periféricas.” Marcos contabiliza a abertura de 41 livrarias no país em 2024 e o fechamento de 7. Bancas de jornais não fecharam, mas muitas foram transformadas em quiosques que sequer vendem jornais. Em Copacabana, bairro mais cosmopolita do Rio, quase todas têm, agora, apenas jornais cariocas, algumas vendem só revistas, e predominam artigos para turistas e bomboniere. Os jornais , como a música, perderam o suporte físico para as mídias digitais. No metrô do Rio é comum ver passageiros lerem livros, enquanto alguém abrir, durante a viagem, um jornal no formato tradicional da grande imprensa se tornou ato raro e performático. O livro se popularizou a partir de 1455 com a invenção dos tipos móveis por Gutemberg. Mas o o primeiro jornal de características atuais, como periodicidade, só surgiu em 1605, em Estrasburgo, o Relation alller Furnemmen und gedenckwurdigen Historien - Relato de todas as notícias importantes e memoráveis. Desde então, os dois formatos se entrelaçam. Clássicos como Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas, Os irmãos Karamázov , de Fiódor Dostoiévsky e Os miseráveis, de Vitor Hugo foram publicados em capítulos pela imprensa antes do lançamento em livro. No Brasil, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; O Guarani, de José de Alencar; e Canudos, de Euclides da Cunha, tiveram o mesmo trajeto. Na coletânea O jornal e o livro – Companhia das Letras, com textos de Machados de Assis publicados em jornais ele questionou em 1859: “O jornal matará o livro? O livro absorverá o jornal?” A convivência foi pacífica e, entre 1937 e 1944, a revista literária mais popular no país, com tiragem de 50 mil exemplares era a Dom Casmurro, nome do livro publicado por ele em 1899. Entre os colaboradores, teve Cecilia Meirelles, Graciliano Ramos, Marques Rebelo e Jorge Amado, como chefe de redação. Houve veículos efêmeros como a Revista de Antropofagia, de Oswald de Andrade, editada entre 1928/29, mas de impacto cultural: publicou o primeiro capítulo de Macunaíma, de Mário de Andrade e o poema No meio do caminho tinha uma pedra, de Carlos Drummond de Andrade. Este, teve participação ativa na imprensa nacional e fez parte do Conselho Fiscal do Jornal de Letras, criado em 1949. No final do século XX o destaque na imprensa especializada é o Jornal Leia Livros, criado em 1978, por Caio Graco Prado, da Editora Brasiliense. Nesse período, a grande imprensa, teve importância no mercado através dos extintos suplementos literários semanais como o Folhetim, na Folha de São Paulo, o Prosa e Verso, em O Globo e o Ideias, do Jornal do Brasil. “A proporção é menor, mas ainda temos grandes veículos e suplementos que dão atenção à literatura”diz Alexandre Martins Fontes, da ANL: “ A coluna Paínel das Letras, na Folha de São Paulo, a coluna da jornalista Maria Fernanda Rodrigues, no Estadão, o caderno de cultura do Valor Econômico; veículos especializados, como o Rascunho, a Quatro Cinco Um, exemplar na divulgação de crítica literária e resenhas” “Jornais e revistas, ainda têm capacidade de influência e papel crucial nesse esforço de manter o livro como tema relevante e acessível”, diz Alexandre: “Hoje, a presença digital é mais impactante no consumo literário, mas a crítica literária foi e continua sendo um pilar essencial para o mercado. Enriquece, amplia a compreensão e instiga novos leitores”. Entre os impressos também tem destaque a Revista Brasileira, onde Machado de Assis publicou capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas e em cuja redação, na rua do Ouvidor 66, no Centro, se reuniam os escritores que idealizaram a Academia Brasileira de Letras. Depois de dez fases distintas a Revista Brasileira, fundada em 1879, é editada, desde 1941, pela própria Academia Brasileira de Letras, agora em edições trimestrais. À venda em livrarias como Travessa e Leitura ela traz no último número Carla Madeira, Djamila Ribeiro, Martha Batalha, Sidarta Ribeiro, Gilberto Gil, entre outros, num volume de 215 páginas. Mas a atual Bíblia do mercado editorial nunca foi impressa: é o portal PublishNews com notícias diárias que cobrem de Feiras Internacionais do Livro à vagas para profissionais do ramo, tem lista semanal dos mais vendidos, podcasts e faz premiação anual para os destaques do mercado. Inaugurado em 2015, fundado por jornalistas, o PublishNews tem, segundo a editora-assistente, Talita Facchini, uma média de 300 mil acessos mensais, uma newsletter para 12 mil assinantes e programação própria em eventos como a Feira Literária Internacional de Paraty – Flip e Bienais do Livro do Rio e de São Paulo. O portal, segundo ela, é voltado para os profissionais do mercado, procura ser imparcial em relação a temas como a Lei Cortez, no entanto, há um crescimento de acessos entre os leitores que apenas consomem livros principalmente nas redes sociais do portal, e há um debate interno para que o PublishNews passe a publicar crítica de livros. Talita regressou nesta quinta feira da 43ª Feira Internacional do Livro de Sharjah, que prossegue até domingo, 17, onde ela cobriu para o portal a 14ª Publishers Conference. Um dos mais importantes eventos mundiais do mercado, a feira reúne este ano 114 países, 2,5 mil editoras cerca de 400 autores e tem o tema Começa com um livro. O mundo dos livros também produz a sua visão da imprensa em vasta bibliografia como em História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré - Mauad e História dos jornais no Brasil, de Mathias Molina – Companhia das Letras, ou em obras biográficas com o trajeto dos principais nomes dos grandes veículos: Fernando de Moraes traça o perfil de Assis Chateaubriand, um dos mais importantes empresários da imprensa nacional em Xatô, o Rei do Brasil – Companhia das Letras. Samuel Wainer, dono do jornal carioca Última Hora quis, em suas palavras, “romper com a formação oligárquica da imprensa brasileira” e conta sua história em Minha razão de viver - Planeta. A Manchete, uma das mais icônicas revistas brasileiras, publicada entre 1952 e 2007, que gerou o grupo de comunicação com rádio e TV de mesmo nome, tem a saga de seus fundadores, vindos da Ucrania, narrada em tom bem humorado pelo descendente do clã Arnaldo Bloch em obra da Companhia das Letras: Os irmãos Karamabloch.
Kleber Oliveira 11/11/2024 |