Raphael Montes - escritor e roteirista Imprimir

 

Nada é impossível


Aos 26 anos, ele já guardou o diploma de advogado e vive como escritor de literatura e de roteiros. Há pouco mais de um mês tatuou no braço uma máquina de escrever estilizada e aspas em cada punho: “não há em mim nenhum martelinho da justiça”, diz rindo.


 

Jantar Secreto, seu quarto livro, narrado por um livreiro, sai este mês  pela Companhia das Letras e traz na capa um elogio feito pelo jornal britânico The Guardian. Dias perfeitos, seu segundo romance, de 2014, traduzido para 14 idiomas, tem na capa uma recomendação do prestigiado escritor norte americano de romances policiais, Scott Turow:

“Raphael Montes está entre os mais brilhantes ficcionistas jovens que conheço. Ele certamente vai redefinir a literatura policial brasileira e surgir como uma figura da cena literária mundial.”

Seus três livros já lançados foram vendidos para adaptação ao cinema e o primeiro, Suicidas, do qual mais gosta “talvez pela inocência com que foi escrito”, virou peça de teatro. Raphael não interfere nas adaptações: “sou apenas o autor do livro”.

Criado por pais que não tinham o hábito de ler, adquiriu o gosto pela leitura por volta dos 13 anos e hoje tem em casa uma biblioteca com cerca de 4 mil livros. Gosta do objeto livro e compra coleções inteiras, mesmo que não vá ler todos os volumes. Possui um leitor digital, presenteado por uma amiga, usado só para leitura de livros muito grossos porque facilita o transporte. Em geral, prefere ler livros impressos.

Extrovertido e otimista, Raphael Montes escreve historias mórbidas e violentas, com um toque de humor negro. Ao contrário do colega Rubem Fonseca, também advogado e autor de histórias policiais, Raphael não foge da mídia. Tem um site com seu nome e três perfis pessoais no Facebook porque os dois primeiros atingiram o limite de 5 mil amigos. Faz marketing de seus livros junto aos livreiros a quem atribui um papel essencial.

Depois de uma rápida passagem pelo Jornal do Brasil com a coluna “Mistérios para ler antes de morrer (ou ser morto)”, Raphael está no jornal O Globo, às segundas feiras, onde escreve sobre temas diversos em uma coluna que leva seu nome. Ali, já falou sobre o hábito da leitura em “Para quem não gosta de ler”; sobre as livrarias cariocas em “Livrarias Para Quê?”; e sobre o gênero folhetim em “Folhetins Modernos”. Apesar dos pedidos para escrever sobre política, ele, que foi contra o impeachment da presidente Dilma, evita o tema, mas publicou na coluna um texto onde critica o radicalismo da esquerda e da direita, com o título “Babacas”.

Católico, estudou no colégio São Bento onde aprendeu a acreditar que nada é impossível, basta muita dedicação e força de vontade. Eventualmente vai à missa e gosta do ritual, mas se opõe a posições da Igreja em temas como preservativos e casamento gay.

Raphael Montes foi uma das atrações de maior sucesso no 1º Festival das Livrarias, promovido em maio pela AEL. Falou sobre o Mercado Editorial e Novos Autores para uma plateia jovem e curiosa que esticou para três horas um debate programado para ter uma hora e meia de duração.

Com a palavra, Raphael Montes:

 

O escritor - A literatura policial tem de contar uma boa história, ter surpresas, personagens interessantes e suspense para deixar o leitor ansioso para saber o que vai acontecer. Além disso, a literatura policial coloca pessoas ordinárias em situações extraordinárias, mexe com as estruturas humanas e possibilita tratar sobre a sociedade, a ética, a moral e a justiça. Além de contar uma história, permite retratar o mundo, o jovem atual, como no caso de Jantar Secreto.

Neste livro, eu quis falar de vários temas: quis falar sobre o fato de comermos carne e falar também de tantos jovens que saem da faculdade em plena crise com todo mundo de porta fechada para novos empregos. Queria falar do crescimento das religiões, principalmente evangélicas. Misturando tudo, saiu Jantar Secreto.

Não faço crônica, mas falo muito da cidade do Rio de Janeiro. O novo livro se passa quase todo em Copacabana, com vários locais do bairro permeando a narrativa. Adoro Copacabana. Caminhar, ir aos restaurantes, vou à praia, jogo vôlei na areia, mergulho no mar.

Entre meus amigos, sou o mais palhaço, irônico, com certo humor negro.  Na minha literatura, estou encontrando esse viés: histórias de suspense, com violência e humor. Dias Perfeitos mostrou isso claramente. Jantar Secreto é um livro muito engraçado. Suicidas, meu primeiro, é mais sério, pesado. Em Dias Perfeitos há absurdos e violências que causam indignação, mas há o humor como respiro. Jantar Secreto é um livro muito pesado, mas com humor para balancear. Você consegue levar a história porque é engraçado.

Tem uma hora que deixa de ser engraçado, mas aí é tarde; o leitor já está preso e quer saber como acaba a história. Passei a usar o humor ao meu favor. Acho que é alma da coisa. Mas tenho dificuldade de escrever história só de humor. Não sei fazer.

Quando escrevo um livro, preciso arquitetar tudo. É a minha maneira de criar. Ao sentar na frente do computador, sei o que tenho de escrever. Começo o capítulo e sei até onde tenho de ir. Sei como será o final do livro. Às vezes, mudo alguns detalhes, mas sei.

Em Dias Perfeitos, a ideia ao longo do livro foi de escrever dois finais. O último capítulo poderia acabar de duas formas. Propus à editora que publicasse metade da edição com um final e a outra metade com outro final. Seria uma coisa inovadora que ninguém nunca fez. O mesmo livro vendido com dois finais diferentes. Mas eles não toparam e teve de ser um final só, o que achei uma pena, apesar de entender os motivos deles.

 

O roteirista - Quando Dias Perfeitos saiu, tive de escolher entre ser advogado ou me dedicar só a escrever. Logo surgiu convite para fazer roteiros e, como sempre gostei de criar histórias, achei que era um caminho bem natural. Sempre gostei de televisão, de cinema. Por que vou advogar se posso contar histórias?

Não me acho um roteirista completo. Estou descobrindo como funciona. Também não sou um escritor completo. Mas em relação a roteiro estou aprendendo bem mais porque saí do zero e felizmente conheci pessoas muito legais que me deram boas chances de aprender.

Fiz um filme com a Lucia Murat, Praça Paris, uma série no GNT chamada Espinosa, baseada nos livros do Luiz Alfredo Garcia Rosa. Colaborei na novela A regra do jogo e Supermax, série de terror da rede Globo. Em todos esses projetos encontrei pessoas generosas, com vontade de ensinar.

Escritor trabalha sozinho; o roteirista trabalha em conjunto com o diretor, produtor, outros roteiristas. Na Globo, em geral, é uma equipe  grande. Como fui muito aberto sobre o que eu sabia e o que eu não sabia fazer em roteiro, tive pessoas incríveis que me ensinaram muito: João Emanuel Carneiro, Duca Rachid, Thelma Guedes, Marçal Aquino, Fernando Bonassi, Alvarenga, José Henrique Fonseca. Todos foram muito legais e se tornaram bons amigos.

 

O mestre - A primeira vez que a Suzana Vargas, da Estação das Letras, me chamou para dar um curso eu neguei. Falei: “isso não se ensina”. Nunca fiz curso, não tenho como ensinar. Depois, com amigos que me mandavam textos pedindo dicas, vi como o texto podia melhorar depois das dicas. Não que eu tenha formado amigos escritores, mas ajudei bastante algumas pessoas. Tenho um prazer enorme em encontrar talentos.

Ter a visão de um profissional que está no mercado dá um conhecimento que é tão básico que você acha que não precisa ser ensinado. Mas precisa, as pessoas não sabem. Se você é um escritor ruim, fazer o curso não te torna um escritor bom. Você se torna apenas um pouco melhor. Se você é um escritor bom, com o curso sai um escritor muito bom.  Aí tem chance de ser publicado.  Existem coisas que objetivamente podem ser ensinadas sobre criação de personagens, sobre diálogo, sobre trama, linguagem, cenário.

Mas para funcionar a chama criativa tem de estar na alma do sujeito. E isso não se ensina. Não gosto de fórmulas como: “vamos seguir a jornada do herói”. Nada é obrigatório, esquemas narrativos não me agradam.

 

As livrarias - Amo livrarias. Passo horas nelas. Digo: “Hoje a tarde é da Travessa”. Vou e passo a tarde toda fuxicando livros. Particularmente não sou uma pessoa de internet, gosto de ir à livraria para comprar. Tenho carinho especial por variadas livrarias por motivos diferentes. Adoro as Travessas do Centro porque quando era estagiário em escritório eu ficava de saco cheio e passava um tempo na Travessa da 7 de Setembro para relaxar. Também ia na Travessa do Ouvidor, que fechou, e na da Rio Branco. Fazia esse tour e passava também pela Saraiva, na Ouvidor. Mas minha relação era com a Travessa, a Da Vinci e o sebo Berinjela, ao lado.

Por morar em Copacabana, frequentava muito o sebo Baratos da Ribeiro, do Maurício, que agora foi para Botafogo. Com o tempo, descobri as Travessas do Leblon e de Ipanema. Quando parei de trabalhar no Centro, passei a ir mais para aqueles lados.

Com a Saraiva, minha relação foi diferente. Nasci no Meier e o que havia era a Saraiva do Norte Shopping. Quando vim para Copacabana, foi a vez da Saraiva do Rio Sul, que tenho um carinho especial porque foi onde lancei meu primeiro livro, em 4 de setembro de 2012. Hoje, alguns amigos livreiros dizem: “Lança o novo livro na Travessa”. Mas eu tenho uma questão de fidelidade com a Saraiva do Rio Sul. No primeiro lançamento ficamos até meia noite, foram umas 500 pessoas. Se eles um dia furarem comigo, eu mudo.

Quando abriu a Travessa em Botafogo foi perfeito porque também passei a ir muito à Blooks. Elas estão em uma área cultural que me interessa, perto dos cinemas Estação e do Espaço Itaú. Também vou na Luzes da Cidade e na Baratos. Termino nos bares da região. É o lugar perfeito.

Os livreiros - Jantar Secreto tem quatro personagens jovens que vêm do Paraná e que dividem um apartamento em Copacabana. A história começa quando eles estão no final da faculdade: um faz medicina, outro gastronomia, outro ciência da computação e o quarto administração.

O narrador do livro é um cara ambicioso que quer abrir um grande negócio mas, como ainda não conseguiu emprego na área e gosta muito de ler, trabalha como livreiro. Não revelo o nome da livraria, digo apenas que ela fica em um shopping no Leblon, porque é importante para a história que seja uma livraria de shopping. Ele reclama do gerente da livraria. Reclama da velhinha que entra na loja e diz: “Quero um livro de capa azul para o meu neto, mas não lembro o nome. Tá fazendo sucesso.” Reclama das adolescentes histéricas que querem o livro da Youtuber do momento.

Quando lancei Dias Perfeitos, fiz muitos encontros com livreiros e ouvia muita coisa. A editora organiza um encontro com vendedores de várias livrarias para apresentarmos o livro. É um trabalho feito pelos divulgadores da editora, mas eu adoro participar. Acho que os livreiros são essenciais para ajudar no sucesso de um livro – eles têm contato com o consumidor e, quando se apaixonam por uma história, saem indicando para todo mundo.