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Um  livreiro realizado


Anibal Bragança é diretor da editora da Universidade Federal Fluminense – EdUFF . Por 20 anos trabalhou como livreiro em Niterói e foi um dos fundadores da Associação Nacional de Livrarias  e da Associação das Livrarias e Papelarias do Estado do Rio de Janeiro

Estudioso do livro e da leitura no Brasil  lançou recentemente Francisco Alves – O Rei do Livro –– EdUSP,  e tem outros títulos como Livraria Ideal: do cordel à bibliofilia- EdUFF e  Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros – Editora da Unesp.

Também foi coordenador geral de pesquisa e editoração na Fundação Biblioteca Nacional mas diz que o ofício de livreiro foi o que o deixou plenamente realizado: “ nunca ganhei dinheiro com a livraria mas me considero um livreiro afortunado”. Diz que em sua vida o livro foi o rei.

 

Em seus livros você retratou dois livreiros bem diferentes, o que o motivou?

Eles têm em comum o fato de serem imigrantes e terem vindo jovens para o Brasil. Tanto o  Francisco Alves  como o Silvestre Mônaco, da Livraria Ideal, chegaram mais ou menos com 15 anos. Sendo que os dois tinham uma personalidade bem diferente.

O Francisco Alves era uma figura muita austera, dedicado ao trabalho, nunca casou, não teve filhos, apesar de ter tido uma companheira durante muitos anos. Já o Silvestre tinha um pai que era engraxate em Niterói e o queria na mesma profissão. Ele não aceitou, brigou com o pai e foi para o Rio.

Teve uma vida muito aventureira.  Foi contraventor no  jogo do bicho.  Esteve preso. Com vinte poucos anos voltou para Niterói e montou uma cadeira de engraxate e, como se fazia em outros lugares, começou a vender revistas velhas e  folhetos de cordel junto à ela.

Daí criou uma livraria bem diferente da do Francisco Alves; durante quase todo o tempo vendia só usados .A Ideal é um sebo que ainda existe e  é prestigiado como uma livraria muito importante de Niterói. Fica perto da Rodoviária na rua Visconde de Itaboraí.

A livraria do Silvestre é dos anos 40, a do Francisco Alves foi fundada em 1854. Se desenvolveu muito no fim do século XIX e inicio do século XX.

O Francisco Alves morreu em 1917 e deixou todos os seus bens para a Academia Brasileira de Letras; dinheiro, edifícios, a maior editora brasileira, a maior editora portuguesa e uma editora na França. Isso proporcionou a punjança da Academia que antes vivia de forma precária, sem sede própria. Francisco Alves foi o grande benfeitor da Academia.

São histórias muito interessantes e de maneira inconsciente meu interesse por eles tem a ver com a minha própria historia. Cheguei de Portugal com 12 anos e também vim a me tornar livreiro. Creio que um livreiro que marcou um pouco a história das livrarias do Rio e de Niterói. Depois me tornei um estudioso da história do livro.

Essa experiência de ser emigrante certamente me motivou nos dois casos, o Silvestre era imigrante italiano e o Francisco Alves português do Minho. Vejo o Francisco Alves como o primeiro grande editor brasileiro, ao contrário da historiografia que o coloca como estrangeiro, como  foram o Garnier, os Lammert.

Ele não veio para o Brasil como produto da expansão da indústria editorial europeia. Veio com 15 anos para trabalhar com o tio. Começou a vida profissional aqui. Depois, retornou a Portugal e quando voltou ao Brasil se tornou sócio do tio que havia criado a Livraria Alves, antes conhecida com o nome de Clássica.

Como foi a a experiência com as livrarias que teve?

A Passárgada talvez tenha sido a que conseguiu maior repercussão. É muito difícil sermos isentos, mas o que ouço é que foi vanguarda em várias coisas que depois foram usadas no Rio de Janeiro, como ter uma casa de chá, ter um espaço para auditório.

Foi uma livraria importante. Depois disso de uma forma mais coadjuvante criei  o Sebo Fino, em São Domingos. A administração era para ser dos meus irmãos, um deles o Inácio que foi livreiro também. Mas acabei me envolvendo por questões familiares.

Minha primeira livraria foi a Encontro, que depois mudei para Passárgada. Nela estreei no ramo em 66, com 21 anos. Lá, publiquei , como editor, “O Estado da Revolução”, do Lenin, em 68, que  me rendeu certa notoriedade porque veio o AI5, fui preso e a livraria foi fechada.

Eu e o Renato Berba, um dos meus sócios, ficamos presos no DOPS de Niterói uma semana ,sem sofrermos torturas mas passando por situações psicologicamente difíceis. Depois conseguimos abrir a livraria, que  foi saqueada pelos agentes do DOPS. Tiraram muita coisa.

Acabamos pedindo concordata não só pelas dificuldades do fechamento e do saque, mas também porque muitos dos nossos clientes ficaram com medo de ir à livraria, alguns foram presos e outros tiveram de se esconder, ou se exilar.

A livraria era comprometida com a contestação à ditadura. Tínha uma perspectiva de esquerda e prestigiava autores de esquerda que faziam palestras e lançamentos , exposições, cursos. Nossa clientela era similar a da Civilização Brasileira no Rio. Vendíamos muito as publicações deles, inclusive a revista.

Depois do AI5 não sofremos o que a Civilização Brasileira sofreu, que chegou a ser incendiada. Mas tivemos muitos incômodos como os pichadores do CCC – Comando de Caça aos Comunistas. Pedimos concordata e vendemos a livraria.

Hoje  uma das três lojas  que tínhamos em Niterói ainda é mantida pelo Antonio Eduardo que a comprou dos primeiros compradores. Ele é também dono da Gutemberg.

Qual  foi sua participação nas lutas específicas dos livreiros?

Fui um dos fundadores da Associação Nacional de Livrarias, em São Paulo. A primeira presidente foi uma moça que tinha uma pequena editora e livraria que não me recordo o nome. Era sócia da Ciça Fittipaldi, filha do Fittipaldi, que  foi presidente da Câmara Brasileira do Livro e dono da editora das Americas.

Participei da diretoria da ANL em uma outra gestão na chapa encabeçada pelo Oswaldo Siciliano. A orientação dele estava muito mais afinada  com os interesses dos editores do que com os dos livreiros. Apesar de ter uma rede de livrarias,  era também editor.

Eu estava alí na defesa dos interesses das pequenas livrarias.  Já na criação da Associação das Livrarias e Papelarias do Estado do Rio de Janeiro tive um papel preponderante. Ela teve curta duração porque houve uma crise minha como livreiro.

Quem chegou a ser presidente foi o Aurélio Abreu, da Eldorado Tijuca, que sempre foi uma referência, eu particularmente o admirei muito. Juntamos as papelarias  e livrarias porque um dos nossos grandes objetivos era combater a venda direta das editoras para as escolas.

A meu ver essa prática foi responsável pelo não desenvolvimento das livrarias no Brasil. Somos um país cujo eixo do mercado livreiro é o livro escolar, que chega a todas cidades brasileiras onde sempre há o sistema público de ensino.

Aí,  poderia haver um estímulo à  criação de livrarias ou mesmo de papelarias vendendo livros. Mas se os editores  procuram os professores ou as cooperativas das escolas  e oferecem as mesmas condições que dão às livrarias cria-se um desestímulo.

A questão do livro didático sempre foi problemática no mercado livreiro. No período do Estado Novo, Getulio Vargas impôs que as editoras não vendessem para as escolas e proibiu professores e escolas de indicarem seus próprios livros para a classe.

Houve intenção de evitar uma influência comercial na escolha do livro escolar; interesse do autor, da editora e não um interesse pedagógico. Isso  levou à criação da Câmara Brasileira do Livro que comento  no artigo As políticas públicas  para o livro e a leitura no Brasil.

A CBL sempre defendeu que o livro escolar fosse privado e não publicado pelo Estado, como acontece em vários países. Durante muito tempo no México, por exemplo, o Estado era quem publicava todos os livros e dava ou vendia muito barato para  os alunos.

Com as campanhas da CBL , o estado fornece esses livros , mas não produz, compra das editoras privadas.  Quando se publica de forma estatal há sempre o risco de um controle na orientação dos livros. Uma vantagem na produção privada é que há mais liberdade.

No Brasil o Estado é o maior comprador de livros, o que  tem mudado por causa da crise. Mas isso não significou nenhum risco porque colocaram professores para ajudar na seleção de títulos que eram indicados.

Isso também poderia ter sido feito antes se o Estado fizesse a edição. Não precisaria ser um livro único. Por isso fica essa disputa. O editor acha que a livraria ganha dinheiro às custas dele porque é ele quem trabalha junto ao professor para que o livro seja adotado e quer vender direto passando por cima dos livreiros.

Quais suas perspectivas quanto a Lei do preço fixo?

Creio que não sai. Os ventos liberais são muito fortes e as editoras não querem ter nenhuma imposição em suas práticas comerciais. Não querem nenhum compromisso que não seja com seu próprio lucro.

No terceiro congresso dos editores e livreiros em 1956 o livreiro Carlos Ribeiro, da Livraria São José, defendeu a necessidade imperiosa de haver uma regulamentação do comércio do livro para benefícios de todos. Não se conseguiu há 60 anos e acho que agora é mais difícil ainda.

Principalmente porque a questão é apresentada aos consumidores como algo que vai fazer com que ele tenha prejuízo; não terá os descontos que a livraria dá . O consumidor não quer regulamentação. Acha que assim tem vantagem.

Mas é um grande engodo. O editor é obrigado a dar 60% sobre o preço de capa para a Saraiva, que por um período curto vai dar 20% por cento ao consumidor final.  Por isso, aumenta o preço de capa para poder atender a uma imposição de uma  rede comercial.

Quem compra com o desconto  da rede  paga o preço real que o editor colocaria se não tivesse de beneficiar a rede. Com a lei do preço fixo o preço médio do livro tenderia a cair. Já falei com o presidente do SNEL, Marcos Pereira, em alguns encontros e ele diz; ”não me fale em baixar o preço do livro”.

Eles estão muito pressionados  pela crise  e não conseguem aumentar tanto o preço para ter lucro maior. A  não regulamentação do comércio livreiro prejudica a todos, principalmente aos leitores que pagam mais do que se houvesse uma regulamentação. Não há uma ética.

Como consequência temos uma falta de capilaridade nas livrarias no Brasil. Creio que 70% dos municípios brasileiros não têm livrarias. Os 30% se concentram nas capitais e isso é muito ruim para o mercado, para a cultura brasileira, para os autores e para o leitor.

Mesmo com  a internet, uma livraria, assim como uma biblioteca, são fundamentais para a criação do hábito da leitura. A conquista de leitores se dá através desses agentes fantásticos que são os livreiros e bibliotecários. Eles levam o livro ao leitor, mostram o que foi lançado.

Ninguém duvida que o hábito cultural da leitura, do texto escrito, do livro , da literatura, da filosofia são muito importantes para o  desenvolvimento das capacidades cognitivas. Não só da consciência cidadã, da autonomia, como dizia Kant; ler é ter capacidade de se auto guiar.

Uma coisa é ler livros e outra é a leitura de frases curtas nas redes sociais e na internet. A experiência cognitiva de decifrar o conteúdo de uma obra literária, a experiência da viagem no texto, que exige uma continuidade, uma concentração, uma reflexão.

O Zuenir Ventura disse em 1968O ano que não terminou que aquela foi a última geração de leitores. Quando comecei como livreiro em 1966, quando havia um lançamento, como por exemplo do Marcuse, os jovens, meus colegas de faculdade corriam à livraria para comprar.

Um fenômeno que agora só existe com Harry Potter. Sobre os youtubers, que também lançam livros com muito sucesso, ainda não pensei, mas é um fenômeno muito mais do mundo virtual, que sucedeu ao mundo do impresso que uma coisa do mundo do impresso.

Nesse caso o livro é um subproduto dessas coisas. Muita gente diz que hoje se escreve muito mais do que antes, porque estamos sempre mandando mensagens. Mas uma coisa é nos comunicarmos, outra é nos dedicarmos a leitura de uma obra literária.

O livro está ameaçado. Não de deixar de existir mas de deixar de ser a mídia hegemônica para transmissão do conhecimento. Está se tornando cada vez mais um produto de elite. Ao contrário daquilo que sempre se pretendeu que era a democratização leitura.

O problema maior é que o livro, em geral, é um convite para um aprofundamento em alguma coisa. Ou em um conhecimento ou em uma experiência estética e nós vivemos um tempo em que tudo é superficial.

Aquilo que se viveu durante muito tempo de um cultivo da interioridade mudou para o cultivo da exterioridade, da aparência, que é contrário da experiência do letramento, do livro. Mas nem tudo mudou para pior;  há a facilidade que temos para obter informações

O que motivou a série Memórias de Livreiros do Rio, na Biblioteca Nacional?

Eu era coordenador Geral de Pesquisa e Editoração na Fundação Biblioteca Nacional e quis construir uma memória da experiência livreira do Rio de Janeiro, com depoimento dos próprios livreiros. Mas o projeto foi interrompido com a minha saída.

Foram debates com  livreiros sobre sua formação e desenvolvimento nas práticas de livrarias. Uma série com  uns 10 livreiros importantes; o Rui, da Travessa, o Estrela da Camões, o Alberto, da Padrão, a Milena, da Leonardo da Vinci, o próprio Carlos Mônaco, filho do Silvestre.

A motivação é que vivi 20 anos como livreiro e editor e  me orgulho disso. Por mais que tenha tido percalços empresariais - nunca ganhei dinheiro com livraria -  me considero um livreiro muito bem sucedido.

As pessoas gostavam e se lembram porque eu era um livreiro focado em formar leitores. Em conseguir fazer que o leitor fosse atendido nas demandas dele; e eu também provocava muitas demandas, conseguia indicar leituras. Me considero um livreiro afortunado.

Acho que a livraria é um espaço cultural de grande importância em qualquer bairro em qualquer cidade. Só em manter uma livraria aberta o livreiro presta um serviço à difusão da literatura e do conhecimento, mesmo que tenha apenas um interesse comercial.

Tenho uma grande admiração por essa profissão. Acho que ela é importantíssima para o mercado editorial. No Brasil sofremos muito porque não foi criada uma rede sólida de livrarias.Aqui não se criou uma experiência cotidiana da pessoa ir à livraria.

Por mais que o Ubiratan Machado  tenha feito a História das Livrarias, o que é uma contribuição muito interessante, muita coisa ainda precisa ser dita.Eu gostaria de ter feito um trabalho de pesquisa sobre a livraria São José que foi uma livraria importantíssima no Rio.

Até mesmo sobre a Livraria Eldorado Tijuca, por mais que eles fossem focados em livro escolar. A própria Livraria Entrelivros, que teve uma rede importante, foi meio que pioneira. Acho que a memória dos livreiros e a história das livrarias é uma coisa que precisa ser feita.

Os pesquisadores de história, literatura, antropologia têm de se motivar. Meu objetivo era fazer um livro com os depoimentos colhidos na Biblioteca Nacional. Não perdi completamente a esperança.

Além do Livraria Ideal e O Rei do Livro tem um outro livro que organizei e de que me orgulho muito que é O Impresso no Brasil. Nele também tive a colaboração de vários colegas pesquisadores. Hoje ele é uma bibliografia fundamental para quem quer conhecer a história do livro e da leitura no Brasil.

Ele tem a história de várias livrarias, uma história curta, em artigos. Mas acho que é uma boa contribuição que complementa o trabalho do Lawrence Hallewell, autor de O livro no Brasil, a maior fonte para a história do livro e dos editores brasileiros.

Mas O impresso no Brasil atualiza, inclui. Fizemos um projeto de participação de pesquisadores desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul, passando pelo Nordeste, Centro Oeste, Sudeste.

Em qual dos papéis na cadeia do livro  se realizou mais?

Como fiquei cerca de vinte anos como livreiro posso dizer que cumpri um papel nessa área. Do qual me orgulho. Como editor e como autor, tenho ainda muito para fazer. Quero escrever mais, uma coisa difícil de compatibilizar com o trabalho de editor.

Quando o Reitor me convidou para dirigir a editora da UFF  agradeci, mas disse que não poderia aceitar porque queria publicar dois livros até 2017. Ele disse que eu poderia aceitar pois iria continuar pesquisando.

Mas são dois projetos  em que ainda não consegui trabalhar. As exigências da editora são muito grandes Não é fácil dirigir uma editora universitária; há desafios diferentes de uma editora privada. Temos algumas facilidades e muitas dificuldades a vencer.

Tenho o compromisso de até quatro anos com o Reitor e quero fazer o máximo nesse período  mas sei que não vou ficar realizado como editor. Vou ter de abrir mão porque o que eu ainda quero me dedicar, se Deus permitir, se a saúde permitir, é continuar escrevendo.

Quero estudar mais a questão do livro e da leitura no Brasil. É o desafio que vejo como mais importante e onde preciso fazer muito mais do que já fiz. Até me sinto feliz; o livro A Livraria Ideal me deu muitas alegrias. As pessoas que lêem acham uma boa narrativa, uma boa informação.

Esse livro lançado agora sobre o Francisco Alves  ainda não me deu muito retorno e O Impresso no Brasil é um livro que vende muito bem, teve várias tiragens. Acabou se tornando referência obrigatória para quem quer conhecer o livro e a leitura no Brasil. E ainda há outros livros que organizei.

Como é ter uma filha que também se tornou escritora?

Fico muito feliz porque a Celina, minha filha mais nova, foi uma aluna de economia brilhante, mas a vocação dela é ser educadora, gosta muito de trabalhar com crianças. Tanto que depois  fez pedagogia, dirigiu escolas e hoje está em um projeto educacional ligado às escolas Waldorf.

Ela tem um talento muito grande para escrever. Desde pequena foi uma leitora muito ávida. Lia Machado de Assis precocemente. O livro dela fala sobre o processo de leitura e imaginação.

Quando era novinha ia à Livraria Passárgada e ficava “trabalhando”; atendendo outras crianças . Ela tem outras histórias que ainda não publicou , em parte porque não é fácil entrar nesse mercado e porque tem se dedicado muito à educação. Fico feliz de ter uma filha com uma trajetória profissional próxima da minha.

A formação do leitor depende em grande parte do ambiente familiar, do pai ou da mãe lerem para as crianças antes delas entrarem na escola. Essa experiência prazeirosa da vivência das histórias e do imaginário.

Isso  faz com que a criança cresça com uma relação amorosa com os livros antes da escola, que está muito comprometida com o ensino e com a cobrança. Nesse livro, Bia entre sonhos e letras ( ed. Dimensão) a Celina fala sobre essa experiência, sobre as histórias que ela vivia.

Infelizmente na maior parte da população brasileira as famílias não têm condições de criar esse hábito junto aos filhos porque têm dificuldades muito maiores para vencer. Com isso a gente acaba transferindo essa responsabilidade de formação de leitores para a escola.

Ela às vezes é bem sucedida; eu mesmo me tornei leitor na escola. Foi através do contato com os professores, principalmente um, Luiz Magalhães, que me estimulou muito na leitura. Isso foi fundamental porque , na minha vida, grande parte do que sou devo ao livro, como leitor, escritor, editor , livreiro.

O livro é que foi o rei na minha história. O livro pode ser o substituto do pai. Dentro daquela divisão simplória que fazemos da família de que a mãe é o lado da natureza e  o pai o da cultura.

A mãe cuida dos filhos de uma forma que tem a ver com a experiência de todas as fêmeas na natureza, com o provimento, carinho e atenção. E o pai é uma referência do mundo da lei, da ordem, da disciplina, da transmissão do conhecimento do mundo para as crianças.

No meu caso e de muitas outras pessoas vejo o livro como um substituto do pai. O meu pai foi uma pessoa fantástica mas se separou da minha mãe quando eu tinha 8 anos e a presença dele se tornou muito distante. Então o livro foi o meu salvador, foi a minha referência.

Um livro que marcou minha vida e minha ideologia até hoje foi Os Miseráveis, do Vitor Hugo, que li quando tinha uns dezesseis anos. Esse foi muito importante, como O Lobo da Estepe, Zorba - o Grego. Livros que me construíram. Nesse sentido  então para mim o livro é que é o rei.