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A união no setor livreiro

 

As entidades do mercado se juntaram em favor do projeto de lei que regula descontos no preço do livro.  Mas o presidente da Câmara Brasileira do Livro, Luiz Antonio Torelli,  fala da necessidade de união em outras áreas para o fortalecimento do setor.

Sócio da Editora Trilha, Torelli está no segundo mandato à frente da CBL.  Ele foi presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Livros e assumiu este ano também a presidência do Instituto Pró Livro.  Um dos projetos que desenvolve na CBL junto com a Associação Nacional de Livrarias é o Manual das Livrarias.

Segundo Torelli, apenas 15% dos municípios  do Brasil  têm livrarias e boa parte do mercado inexplorado  fica  para  os vendedores porta a porta que hoje são o terceiro maior canal de venda de livros, depois das livrarias e distribuidoras.

“Falamos tanto da falta de livrarias e o setor não tem informações para quem quer abrir uma pequena livraria” diz ele, e promete para breve o manual que irá dar o passo a passo para futuros livreiros.

Os cursos para o mercado editorial da CBL também estarão, em breve, disponíveis on-line para quem não pode frequentá-los na sede da entidade em São Paulo. Mas há possibilidade de ministrar cursos presenciais onde os custos possam ser divididos.

Para incentivar a parceria com os livreiros a CBL lançou em 2016 o concurso que premia a melhor vitrine de livraria montada com os livros ganhadores do Prêmio Jabuti,  maior premiação  do mercado brasileiro distribuída anualmente pela entidade.

A melhor vitrine, no entanto, não foi de uma livraria mas de uma unidade móvel da livraria da Universidade do Estado de São Paulo – UNESP,  montada em um caminhão que circula com 8 mil livros.

Na época da promoção o caminhão esteve estacionado na praia do Guarujá e o livreiro José Venilson Menezes de Oliveira, responsável pela unidade móvel, montou uma vitrine batizada de “Jabuti vai à Praia” que incluiu banners com um jabuti vestido com uma boia, além da exposição dos livros premiados.

Para este o ano, o Jabuti traz outra novidade. Livreiros e demais profissionais de entidades ligadas ao livro podem sugerir os nomes dos jurados que irão escolher os melhores livros de 2016.

 

 

Como foi a escolha da melhor vitrine com os premiados do Jabuti?

Ano que vem o Jabuti completa 60 anos. É um prêmio tradicional, reconhecido, mas nas livrarias tem uma penetração pequena. O objetivo na escolha da melhor vitrine é dar mais exposição aos premiados. O Jabuti tem muita publicidade. O livreiro pode se aproveitar disso. Também temos o selo para colocar na capa do livro. O primeiro premiado fez algo tão bem bolado que ninguém se atreveu a contestar. Foi durante o verão e fizeram o "Jabuti na Praia" . Mesmo depois da premiação o caminhão da UNESP manteve essa vitrine em outras cidades. O vencedor  foi à Argentina participar do Salão do Livro de Buenos Aires e também visitou algumas das grandes livrarias e universidades locais. O júri é formado por um designer, um vitrinista e alguém da área de livrarias, que julgam as vitrines através de fotos. Este ano vamos divulgar a ação mais cedo porque a primeira ficou muito para o fim do ano. O livreiro tem de entender  que a proposta é atrair gente e dar mais dinamismo e chancela ao prêmio. Este ano haverá duas novas categorias no Jabuti; o melhor livro de quadrinhos e o melhor livro brasileiro editado no exterior. Ao todo serão 29 categorias. Os jurados eram indicados pelo conselho mas a partir de agora qualquer um ligado a cadeia do livro, como os livreiros, pode indicar jurados através de uma ficha que nos é enviada e analisada pelo conselho. Estamos batalhando para dar mais glamour à entrega do prêmio. Introduzimos algo que não havia que são os homenageados. O primeiro foi o Mauricio de Souza e no ano passado tivemos a Lygia Fagundes Telles. Isso provoca a mídia. Em termos de mídia o prêmio é muito bem contemplado. Os vencedores aparecem com muito mais frequência na mídia e também em palestras, feiras. Agora mesmo na Feira de Ribeirão Preto temos seis mesas com autores do Jabuti. Todos reconhecem que é o melhor prêmio literário do Brasil. É reconhecido lá fora; nas feiras ,vejo  as pessoas folheando os livros na estante dos premiados. Queremos dar mais dinamismo a própria solenidade de entrega do prêmio. Estamos conversando com alguns canais de televisão. A festa é longa, são 29 categorias, e para a televisão isso é difícil. É uma série de coisas técnicas que temos de superar.

 

Quais as novidades para a Bienal de São Paulo 2018, outra vitrine do mercado?

Hoje, tanto a Bienal do Rio, quanto a de São Paulo, são eventos de público. Antes, a ideia era de um encontro entre o editor e o livreiro. Agora, estamos retomando isso. Em 2018 vamos fazer encontros de negócios, não só internos, como externos. Ano passado, com toda a crise, colocamos 650 mil pessoas no Anhembi. É uma grande vitrine que deixa todos felizes. O autor fica feliz porque pode ter contato com seu público. Inclusive vamos dinamizar essa parte. Há duas semanas tivemos uma reunião com design team, que, terminada uma bienal, começa a trabalhar na próxima; vê o que público gostou , ou não; e  também o expositor, que é quem paga a conta. Isso já funcionou em 2016; com as informações dos frequentadores, readequamos tudo. Havia reclamação quanto às filas; eram na calçada, chovia, e conseguimos trazer as filas para dentro da Bienal. Havia reclamação quanto ao tamanho dos corredores, muito estreitos. Os corredores passaram a ter seis metros de largura e as grandes avenidas dez.  Sacrificamos a venda do espaço mas o resultado foi muito bom. Havia reclamação quanto à praça de alimentação e ela foi terceirizada. Em 2018 vamos criar outras ações voltadas para o expositor. Vamos ter um país homenageado, o que acontecia antes mas foi deixado de lado pela CBL. Convidamos o Xarja, um dos Emirados Árabes. É interessantes que cada um dos  sete  Emirados Árabes tem uma característica especial. Dubai tem o turismo, o luxo, e Xarja está muito voltado para a educação e cultura. Eles têm uma feira com mais de um milhão de visitantes. Com a colaboração da prefeitura, também vamos ter uma coisa que a gente sempre quis: bienalizar a cidade de São Paulo. Vamos ter envolvimento dos restaurantes, do transporte público. Em Frankfurt, se tem o ingresso da Feira, você não paga o transporte público. Vamos tentar fazer isso junto com a Secretaria de Turismo porque durante a Bienal muita gente vem de fora. O evento dura dez dias.

 

Como tornar a CBL mais atrativa para as livrarias?

Hoje a CBL tem um departamento exclusivo para o associado. Associar ou se desassociar não é automático.  Se quer se associar vamos ver o que precisa, o que espera da CBL, o que podemos lhe dar. Se quer se desassociar perguntamos o porque e com isso  vamos tendo uma série de subsídios. Depois da crise esse é o primeiro mês que entrou mais gente do que saiu. Com esse departamento, que funciona há quatro meses, conseguimos mais associados; como todas as associações também estávamos perdendo. Ao invés da CBL levar soluções, o livreiro vem propor alguma coisa. E com isso conseguimos trazer dois pesos pesados que são a Saraiva e a Cultura. Entraram agora na gestão 2017 com um monte de ideias. Isso dá um ganho porque temos a livraria pequena e a grande. Temos muita gente com ideias boas e procuro atender a todos. Temos essa coisa de buscar as necessidades lá fora.  É um trabalho de convencimento para que tragam sua reivindicação para que possamos brigar juntos. Por mais que você seja grande não adianta ir a Brasília e brigar sozinho. Não só pela parte política como pela operacional. Estamos desenvolvendo um projeto, porque minha irmã quer abrir uma livraria em Jaguariúna, interior de São Paulo, onde não há nenhuma. Ela me procurou e percebi que a CBL não tinha nada para dar suporte a quem quer entrar no mercado. A ANL também não. Falamos tanto da falta de livrarias e o setor não tem informações para quem quer abrir uma. Junto com a ANL estamos desenvolvendo um manual e em alguns meses vamos ter o caminho das pedras. Pelas pesquisas apenas 15% dos municípios do Brasil têm livrarias. Há um mercado imenso. Sempre vejo o outro lado do copo. Justamente onde não há livrarias é onde atua o vendedor de porta a porta que é o terceiro maior canal de vendas hoje. Porque não abrir um negócio com livro? Temos isenção de impostos, uma série de coisas mais o glamour do livro. Não fazem isso porque não há quem dê o caminho. Vamos dar um passo a passo para as pequenas livrarias.

 

O livreiro de porta a porta é mais proativo que o de loja?

Ele não pode ficar sentado, até porque nem tem uma mesa. Tem o sapato para andar Brasil afora. E vai descobrindo esses nichos. Agora, com grande sucesso, um dos canais que mais está vendendo livros é o canal de feiras. Feiras em shoppings, no meio da rua, em escolas, todas foram idealizadas pelo pessoal do porta a porta. Porque está difícil você bater na porta do cidadão. Também tem a coisa do desemprego, você bate e estão lá o pai e a mãe desempregados. Então essas feiras foram criadas com enorme sucesso. Nelas há o protagonismo dos livreiros e das editoras.  Muitas vezes ligam para cá querendo uma livraria ou distribuidor na feira mas não há interesse. Vejo isso quase que diariamente: “Vamos fazer um festival literário em nossa cidade, queríamos vender uns livros, a Câmara poderia ajudar?” Nós fazemos contatos mas sempre há mil desculpas, porque é muito longe, muito perto. Muitos nos pedem apoio e vamos analisar antes de colocar a nossa logo.

 

Há possibilidade de levar os cursos da Escola do Livro da CBL para outras cidades?

É um sonho. Na minha primeira gestão na CBL, conversei bastante com as associações. Uma das reivindicações era quanto aos cursos serem em São Paulo e ser difícil se deslocar para cá, mesmo do Rio que é vizinho. A ideia era fazer algum tipo de convênio com outras associações para que pudéssemos levar a Escola do Livro a outros estados. Mas na primeira experiência que tentamos houve o problema do custo. Há os gastos específicos e a outra parte não dispunha de caixa. Agora com a tecnologia surgiu a ideia de fazer esses cursos on-line, escola à distância. É difícil, para ser bem feito tem de se dispor de um capital para investir na tecnologia. Mas é um custo que vai se diluindo e não precisaríamos ficar tão dependentes de rachar a conta com alguém, ou ter de assumi-la por inteiro. A CBL tem representação em todo o Brasil, se fizer os cursos no estado A, terei de fazer também no estado B. Mas levar a Escola do Livro a outros lugares faz parte da nossa plataforma e se vier uma parceria vou achar ótimo. Temos cursos de um ou dois dias. Inclusive fizemos uma pesquisa para saber o que os associados gostariam de ver na Escola e os cursos que estão acontecendo agora são muito com base nas respostas que recebemos dessa pesquisa.

 

Como vê os extremos entre livreiros que são leitores e os que são gestores?

Concordo  que existam os extremos. Por isso o nosso empenho em acelerar o nosso manual porque o fato de você gostar de ler não significa que vá ser um bom livreiro. É um bom caminho. Porque hoje você entra em uma livraria e vê que o próprio pessoal não está treinado para lhe dar alguma sugestão. Me lembro que há muito tempo a Livraria Cultura era mestre nesse serviço. Eu só frequentava a Livraria Cultura e muitas vezes queria um determinado livro e o rapaz me dizia: “Esse eu não tenho, mas você já leu esse outro?” Essa coisa proativa se perdeu. Não o vejo mais. As últimas experiências que tive foram justamente o contrário.  Peço um determinado livro à moça, ela vai para o computador, fica duas horas e não acha o livro, porque também não sabe nem do que estou falando. Isso tudo vai estar nesse manual que estamos elaborando. Não adianta você abrir um carrinho de pipoca se você não souber gerenciar, fazer o preço, saber comprar. Isso tudo faz parte do negócio e com o livro não é diferente. Entre hoje e amanhã o pessoal que está tratando desse manual vai apresentar o primeiro pré-projeto. É um manual para que o ofício de livreiro tenha um pouco mais de qualidade. Um pouco mais não, tem de ter qualidade. Ainda mais hoje quando se tem tanta concorrência, tanta coisa para você gastar o seu dinheiro.

 

Você é um bom leitor?

Já fui. Até tenho tempo para ler mas qosto de coisas voltadas para a minha área, gerenciamento. Gosto muito disso. Talvez até tenha pulado para o lado de cá por me dar mais oportunidade de ampliar esse lado empreendedor. Todos aqui ficam preocupados quando digo; “Tive uma ideia”. Tenho uma ideia e vou pesquisar e hoje a internet facilita isso. Como nessa história sobre as livrarias; gosto de chegar na minha casa e pesquisar o que existe  de positivo sobre o assunto. Então trago as ideias para cá e o pessoal se vira para por em prática. Hoje sou muito mais um leitor de coisas técnicas. Quando viajo sim. Não consigo dormir em avião e nas viagens longas coloco meus livros em dia. Nessa última viagem decidi que ia ler no digital, porque é muito mais fácil. Mas não consegui. Não sei por quê. Ainda bem que tinha levado um pocket book também.

 

Por que o livro digital não decolou no Brasil?

Não é só no Brasil. É no mundo todo. O único que está mantendo um patamar são os Estados Unidos. Mas se você fizer essa pergunta não vai ter nenhuma resposta assertiva. Como no meu caso. Porque não li no digital? Não sei. Tem outras pessoas que eram leitores vorazes e abandonaram o livro de papel. Elas dizem: “Estou lendo, me encheu o saco, pego outro”. O que na vida prática é impossível. Tenho um conhecido que gosta de ler à noite, sofre de insônia. Não gostou, compra outro ali na hora. O livro digital se presta para essas situações bastante práticas. Eu particularmente não consegui ir além da página 12. Mas a questão do livro digital vem sendo analisada pela CBL que anualmente tem realizado o Congresso do Livro Digital, normalmente em data próxima a da Bienal.

 

E como  está a questão da Lei do Preço Fixo para o livro?

O nome Preço Fixo é horrível. Não estamos falando de preço, mas de desconto. Mas o raio desse nome pegou. A primeira proposta não foi boa, mas tivemos a sorte de conhecer a senadora Fátima Bezerra, responsável pelo projeto, e ela fez o que todo político deveria fazer; chamar os interessados  para opinarem. Ela nos deu total liberdade para mexer no que achávamos que não estava certo. Acontece que o primeiro relator da lei, Ricardo Ferraço, saiu, o Lindbergh, que veio depois também não agitou. Mas o projeto já está indo para a Comissão de Justiça, que é a próxima fase. Estamos marcando um novo encontro com a Fátima Bezerra. Tivemos todos esses problemas políticos, como a questão do impeachment, que atrasam o andamento. É um inferno. Pessoalmente fico aqui agoniado. Temos enfrentado muitos problemas com essa história do desconto. Na época em que começamos a falar sobre a lei, me lembro que a presidência do SNEL ainda estava com a Sonia Jardim, que era totalmente contra. Depois em conversas com ela tenho visto que mudou de ideia, acha que é um caminho.  O nome que deram à lei, a forma como foi colocada para a imprensa é que gerou uma série de mal entendidos. Recebemos uma enxurrada de reclamações; “Seus safados”, “a indústria é rica”. Mas não conheço nenhum editor rico. Vejo editor bem posicionado, mas não milionário. Agora temos que trabalhar não só pelo projeto mas também contra essa imagem estranha que ficou enraizada. Reclamam que vamos fixar o preço do livro, não é isso. O preço do livro já é determinado pelo editor. Batalhamos por um controle dos descontos. Não tem sentido lançarmos um livro hoje e amanhã ele estar com 50% de desconto. Não há indústria que segure um negócio desses. Aconteceu isso em países com muito mais tradição de leitura que o nosso. Na França quebraram várias livrarias quando começou essa história de guerrear com desconto. Sempre achei que a lei será uma boa solução. Desde que seja um projeto bem colocado.  O primeiro que foi apresentado pela Fátima não atendia.

 

O que acha do Manual de Boas Práticas da ANL, assinado pela CBL?

Esse manual é o que deveríamos fazer mesmo. Ali não há nada fora do comum. O problema é que falta união. Sempre existe o a favor e o contra. Assistimos isso aqui e o próprio Bernardo deve ter enfrentado isso na ANL. Discutimos pouco nossos interesses. A Amazon, por exemplo, é nossa associada mas hoje é uma ilha. Tem sua forma de agir e dificilmente você vai convencê-la a agir de forma diferente. Nós é que temos de ver como vamos nos portar diante disso. Porque ela tem uma filosofia implantada no mundo todo. Mas ali também tem coisas positivas ou ela não estaria com o espaço que tem hoje. Podemos olhar com bons olhos a questão da agilidade, da entrega, da parafernália entorno da tecnologia. Temos de estar atentos a isso. Não adianta só criticar. Na questão do desconto eles não tiveram tudo aquilo que conseguiram nos Estados Unidos e na Europa porque aqui os editores já estavam escaldados. Mas muitas coisas que procuro na área que gosto, administração, na Saraiva, às vezes, está mais barato que na Amazon. Temos que discutir nossas coisas ao invés de só chorar ou criticar. Eles têm coisas boas, e se as implantaram porque outras livrarias também não implantam. Começaram pequenos. Cresceram muito, aproveitaram toda a tecnologia que acho que aproveitamos pouco.  Nessas últimas livrarias que fecharam as pessoas diziam: “Faço isso há sessenta anos e não vou fazer diferente”. Tem de se adequar. O mundo mudou. Aqui também. Se formos pensar com a cabeça dos presidentes de 30 anos atrás a CBL fecha. As associações precisam se atentar para outras coisas. Não adianta se lamentar, depender de compras do governo. Temos de ser mais proativos. Temos de reivindicar. Como outras associações e outros mercados, precisamos estar mais unidos.

 

20/06/2017