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A Pioneira

 

Pintora, professora, jornalista, escritora e editora Ana Maria Machado  se tornou  livreira  em 1979 ao  fundar a Malasartes, primeira livraria infantil do Brasil que prossegue, com 38 anos,  agora sob a direção das irmãs Claudia e Renata, filhas de  Yaci Moraes,  uma das sócias de Ana Maria.

Ana  Maria  Machado deixou de ser livreira para se  dedicar a escrever e hoje com  40 anos de literatura tem mais de 100 livros publicados. É um ícone da literatura infantil  mas também tem  9 romances e 8 ensaios. Foi editada em 26 países, em mais de 20 idiomas e vendeu cerca de 20 milhões de livros.

Ela foi homenageada na Bienal do Livro 2017  na cerimônia que comemorou os 80 anos da política pública do livro e, diante dos Ministros da Educação,  Mendonça Filho, e da Cultura Sérgio Sá Leitão, pediu a retomada das políticas públicas que incentivam a leitura no país.

Em sua reivindicação  Ana Maria disse que ,  mais que o livro didático, a literatura enriquece a experiência do leitor: “ A literatura abre horizontes porque não está preocupada só em ensinar, em passar informação. Ela torna os cidadãos mais conscientes.“

Uma semana antes da Bienal  havia sido a homenageada da 8ª FLIM, Festa Literária de Santa Maria Madalena e ainda este mês será a primeira mulher a ser homenageada na  13ª Feira do Livro de Foz do Iguaçu e fará parte da comissão brasileira na Feira do Livro de Medelin, na Colômbia, que este ano homenageia o Brasil.

Ana Maria Machado vende bem naquele país, onde tem muitos livros lançados,  e onde fez um circuito de comunidades e favelas em ilhas na baia de Cartagena: “ lugares onde nunca tinha chegado um escritor”.

Ganhadora de vários prêmios ela recebeu, entre outros, o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra; três  prêmios Jabutis; o Casa de Las Americas; o Íberoamericano de Literatura Infantojuvenil e o Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da Literatura Infantojuvenil. Em 2003 foi eleita para a Academia Brasileira de Letras e presidiu a entidade entre 2011 e 2013.

Hoje, além de livros  também assina uma coluna quinzenal no  jornal O  Globo onde fala  dos temas culturais aos políticos. Antenada com a literatura contemporânea brasileira tem entre os autores preferidos Bernardo de Carvalho, Michel Laub e Helena Salen Levi :  “Mas começo, leio umas 30 páginas, não me pegou. Dá licença, vou dançar com outro".

Diz que  todos somos poliglotas; podemos nos expressar em diferentes linguagens. Ela, além de escrever para crianças, jovens e adultos  usou a linguagem acadêmica na  tese de doutorado em linguística,  na Universidade de Sorbonne, em  Paris, sob orientação do filósofo e semiólogo Roland Barthes. Na tese, que virou o livro O Recado do Nome, analisou a função dos nomes  dos personagem na obra de Guimarães Rosa.

 

 

Qual o recado no nome Malasartes?

Escolhi por causa do Pedro Malasartes, o personagem folclórico. Quando era pequena ouvia muitas histórias dos avós, tios, minha mãe, e, entre as que gostava mais, estavam as do Malasartes. Minha avó sabia umas cinco ou seis. Não havia muitos textos sobre ele, é mais uma tradição oral. Sempre procuramos ter na livraria qualquer publicação e era muito difícil. Havia um livro do Ernane Donato As Aventuras de Pedro Malasartes, da Ediouro, e só. Eu tinha um livro publicado uns três anos antes de abrir a livraria, Bento que bento é o frade,  com uma história tradicional dele:  A Sopa de pedra e fiz uma situação em torno disso. Depois adaptei uma história para o teatro , que tinha no elenco a Sonia Braga, começando, adolescente, como protagonista e tinha o Pedro Malasartes como personagem. Ele andou muito pela minha vida.

Como a livraria se concretizou?

Em 1979, quando trabalhava na rádio Jornal do Brasil, a Maria Eugênia Silveira, uma animadora de festas infantis, me procurou para fazermos uma matéria, dar uma força ao trabalho dela. Nos entendemos muito bem, falamos de livros para crianças e resolvemos fazer a livraria. Eu estava acabando de pagar meu apartamento e foi a hora em que decidi sair da rádio para diminuir meus compromissos e viver com um salário menor. As fundadoras fomos eu e Maria Eugenia, que hoje está morando no Acre. Nós queríamos uma terceira sócia e falamos com diferentes pessoas. Falamos com a Yaci  Moraes que estava se aposentando como professora no Colégio Jacobina. Mas ela queria abrir uma casa de chá. Também quase ficamos sócias da Vivi Nabuco, que acabou abrindo a loja de plantas Verde que te quero verde. Depois a Claudia, filha da Yaci, disse que sua irmã, Renata, estava se formando em psicologia e sem saber em que iria trabalhar. Ela entrou para reforçar e foi ótima, trouxe uma contribuição muito boa. Depois a Renata saiu, entrou uma outra sócia e então vieram a Yaci e a Claudia.

Quando inaugurou a livraria já era escritora consagrada?

Tinha publicado uns 13 ou 14 livros e ganhado alguns prêmios. A  menção honrosa na Fundação do Livro Infantil em 77, o  João de Barro em 78, e três meses depois de abrir a livraria ganhei o prêmio Casa de las  Americas, de Cuba. Na livraria, tinha o reconhecimento do público mas não na hora. Isso não muda por eu ser livreira. A pessoa compra o livro mas é em casa que  vai ver se gosta ou não. Não bate palma na hora. Mas volta e busca outro, ou encontra e diz que gostou. Acho que, mais que a livraria, foram as crianças e os próprios professores que deram mais retorno para mim. Nós fazíamos feira de livros nas escolas . Inaugurei a livraria porque queria um lugar onde pudesse comprar livros infantis para dar de presente. Muito antes, na década de 60 havia na praça General Osório a Cói Cói, uma loja de brinquedos que vendia livros. Não era específica. Um ano depois da inauguração da Malasartes havia 14 livrarias infantis só no Rio. Algumas continuaram por muito tempo como a Pé de Página, a Arte e Artemanhas, um nome que homenageia a Malasartes. Depois as grandes livrarias começaram a ter seção infantil. Quando morei fora vi algumas e frequentava com meus filhos. Havia umas duas ou três em Londres, maravilhosas. Havia uma que ficou anos na rua 76,na Broadway, em Nova Iorque. Mas não abri a livraria tanto pela ideia de que fosse um grande negócio, mas pela necessidade.

Houve identifcação  com a profissão de livreira?

Adorava. Fiquei 18 anos. Gostava de selecionar o estoque. Não tínhamos qualquer coisa. Havia cuidado em não ter livro racista,com violência gratuita. Era sobretudo um lugar de encontro de pessoas e livros. Tínhamos a Hora do Conto, duas vezes por semana, em que contávamos histórias para as crianças. Era comum que as mães deixassem as crianças lá enquanto iam às compras no shopping. O que fez um sucesso enorme foi uma mesa com uma máquina de escrever onde cada criança escrevia algo. Elas faziam fila. Depois os adolescentes descobriram e deixavam recadinhos uns para os outros, paquera. Pendurávamos em uma cortiça e virou um motivo de movimentação na livraria. Outra coisa que atraia muita gente inclusive a garotada da Rocinha era um caixote de plástico colorido escrito Sebinho.  A criança podia comprar ou vender o livro usado. Tinha um preço fixo como se hoje ela vendesse por 50 centavos e comprasse por um real. Os meninos das escolas públicas ali perto iam direto.

Acredita  que estar em um shopping de bairro nobre colaborou  com o sucesso da livraria?

Não. Atribuo o sucesso ao Chico Buarque. Dois meses depois da inauguração fui procurada pela Donatela Berlendis,  da Berlendis  Editora. Ela iria lançar um livro intantil do Chico Buarque e disse que ele só faria lançamento se fosse na  Malasartes. Ele ia à livraria com as filhas.  Era 79 e o Chico Buarque estava no auge absoluto da popularidade. O livro era uma graça e toda a imprensa deu cobertura. No dia do lançamento o engarrafamento ia até o Jardim Botânico. Todo mundo ficou sabendo da livraria. Quando a inauguramos era a única loja no terceiro andar do shopping, o resto eram escritórios de contabilidade, dentistas e corretoras. Fomos para lá por isso; era mais barato. Para anunciar que havia uma livraria ali fizemos um cartaz enorme. Toda nossa programação visual era maravilhosa, feita por um amigo, o Joaquim Redig de Campos, do maior escritório de design do Rio, do Aloisio Magalhães. Fizemos esse cartaz grande com instruções para se chegar à livraria. Dizia; “ Lá na Gávea tem um shopping, nesse shopping tem três andares, no terceiro tem uma loja, nessa loja tem uma livraria, nessa livraria tem todos os encantos do mundo: Malasartes”. No sábado e domingo colocávamos o cartaz em frente ao teatro infantil e fomos ficando conhecidos. Foi muito trabalho. Mas acho que o Chico colaborou muito.

Qual a manha do livreiro?

Primeiro você deve perguntar ao cliente o que leu e gostou. Em uma livraria infantil muitas vezes são os pais que compram e a pergunta é a mesma. Em geral o adulto está com a criança e  ela sabe o que quer, ou chega sozinho e diz “ quero um livro para uma criança de sete anos”. Eu digo:  “ Não existe uma criança de sete anos, existem milhares de crianças com essa idade”. Pergunto : “ Como é essa criança, do que ela gosta?”.  Começamos a conversar e o vendedor deve conhecer os livros muito bem para sugerir. Apresenta duas ou três sugestões, faz um resumo da história. Isso nas primeiras vezes. Depois o pai, a mãe, a avó já confia tanto que diz:  “ Me dá um do mesmo tipo.” Para mim era um prazer vender os livros que o Paulinho da Viola dava para os filhos no Natal. Todos anos ele comprava lá. No começo  dizia: “ Quero um livro para uma menina de 14 anos, muito briguenta. Essa outra é tímida, recolhida, mas muito imaginativa.”  Ele conhecia e descrevia os filhos muito bem . Quando vinha janeiro passava e só erguia o polegar, mostrando que deu certo. A ligação da criança com o livro é tão forte e intensa que se descobrindo o caminho, depois se vai sozinho. Não dividíamos os livros por idades. Eram categorias.  Nas prateleiras debaixo, perto do chão havia uma tabuleta ;“ para os rasgadores” crianças bem pequenas que botam o livro na boca e poderiam até engatinhar  até ali.  Havia a categoria “ começando a ler” , “ romance e aventura”, “ para ajudar na pesquisa”, “ encantos para sempre”, que eram mais os clássicos.Havia muitas almofadas para as crianças recostarem, ver livros,ouvir a Hora do Conto.

Por que saiu da livraria?

Da mesma forma que deu certo por causa do Chico Buarque, saí por causa do Jô Soares. Eu estava fazendo sucesso, ganhando muitos prêmios e querendo escrever cada vez mais. Quando a Yaci entrou decidimos que teria o mesmo tipo de horário que a Eugenia fazia. Eu teria um horário mais flexível, porque tinha de escrever, visitar colégios. Mas a Yaci passou a achar que estava sobrecarregada  e tínhamos de dividir melhor os dias.  Um dos meus dias ficou sendo segunda-feira.  Então lancei um romance, “ O canteiro de Saturno”, e o Jô Soares me chamou para gravar uma entrevista com ele em São Paulo. As gravações eram às segundas-feiras.  Antes eu já havia alternado com a Yaci esse dia mas dessa vez foi a gota d’água. Ela disse “ você tem de decidir se quer ser livreira ou escritora.”

E como se tornou editora?

Por acaso. Ainda estava na livraria. Era a editora Quinteto, da Ruth Rocha, Fanny Abramovich, Walter Ono, Giro e o quinto, acho que era o Mário Prata. Depois alguém saiu e  como nenhum deles tinha conhecimento sobre ponto de vendas  me convidaram para entrar de sócia.  Eu disse que não tinha dinheiro. Mas falaram que eu só teria de dar um computador. Dei a eles um Mac ,caríssimo na época, e passei a ir com regularidade a São Paulo. Fui encarregada de algo horrível, mas que era o que mais precisavam na ocasião; limpar os catálogos. Era uma editora de livro infantil, que editava os amigos, sem entender como funciona o mercado. O que se gastava de aluguel de galpão para o estoque era absurdo. Eram todos artistas; o papel tinha de ser da melhor qualidade com não sei quanto de margem. Muito desperdício. Foi desagradável ter de escrever para autores amigos, e dizer que íamos tirar o livro deles de catálogo. Porque havia uma série de coisas equivocadas, livros que não eram para criança. Na verdade contratei uma editora fictícia que assinava as cartas.Comecei a cortar custos. Quando vendemos a editora para a FTD o valor dela tinha se multiplicado mais de cem vezes. Nós quatro saímos, pusemos o dinheiro no bolso e cada um foi cuidar da sua vida. Participei menos de quatro anos e não tive interesse em continuar. A editora era em São Paulo, eu nem participava do dia a dia.

Como vê o  livro infantil  hoje,  que aborda até de questões de gênero?

Nunca escrevi de olho no mercado. Escrevo de dentro.  Quanto às questões de gênero, sou cheia de heroínas feministas. A Ruth Rocha tem um livro em que a criança passa debaixo do arco-íris ; menina vira menino e menino vira menina. Isso nos anos 80. A questão de gênero não foi descoberta agora. Hoje se fala de uma maneira direta e ela fazia de um jeito mágico, poético. Acho que todos os assuntos já foram abordados; diversidade, questões étnicas, de gênero, violência. Tudo estava nos nossos livros. O Ziraldo escreveu O menino marron,eu escrevi  Menina bonita do laço de fita, na década de 80. Meu terceiro livro, Do outro lado tem segredos, fala do filho de um pescador que olha a linha do horizonte pensando o que vai pegar se jogar a rede bem longe. E ele puxa a África. O que há de novo é que essas coisas são escritas de uma maneira diferente porque cada escritor tem seu estilo. E  o que mudou na criança de hoje  é muito menos do que se imagina. Ela tem o mesmo medo de ficar sozinha, medo do abandono, medo do escuro, tem a mesma alegria em descobrir um caramujo andando. A mesma raiva quando se sente injustiçada. Não se pode dizer que Os Três Mosqueteiros estão ultrapassados porque ninguém viaja pelo interior da França a cavalo; a necessidade de correr para salvar alguém é a mesma. Mudam as circunstâncias, o que é intrínseco não. A linguagem quando é forte se mantêm.

Qual a dificuldade das versões estrangeiras em manter as lustrações originais?

Com frequência, o editor estrangeiro quer traduzir um livro nosso mas pede para  usar outro ilustrador. Digo:“ esse ilustrador é famosíssimo, premiadíssimo, maravilhoso”. Mas acham que as imagens não passam para as crianças do país deles. Aqui não há esse problema porque nossas crianças desde pequenas assistem desenhos animados, leem histórias em quadrinhos, livros traduzidos e estão acostumadas com linguagens visuais diferentes do mundo inteiro. Eles são mais fechados no seu mundo visual; às vezes acham as nossas cores escandalosas, nosso traço muito humorístico. Partir para o engraçado, para a caricatura é bem típico da ilustração brasileira. Isso tem razões sérias; o ilustrador brasileiro sempre foi mal pago. O jeito era pegar gente da publicidade, da caricatura em jornal e o editor não dava muito tempo para elaborar a ilustração. Hoje isso mudou; temos uma formação que vem do design, do desenho industrial. Vem gente com muita qualidade, muita força e estamos começando a ganhar prêmios em ilustração. Mas tive vários livros recusados a não ser que houvesse novas ilustrações. Tenho formação em pintura e me perguntam porque eu mesma não ilustro, mas minha relação com a imagem não é narrativa. Quero resolver problemas pictórios; composição, textura, transparência, luz. Hoje pinto bem menos.

Dos prêmios que ganhou qual a sensibilizou mais?

Com certeza o prêmio Machado de Assis,da Academia Brasileira de Letras, o maior prêmio brasileiro para conjunto de obra. O Hans Christian Andersen é um prêmio importantíssimo, fiquei muito grata por ter ganho, fez uma diferença enorme na minha carreira, mas é um prêmio só para livro infantil enquanto que o Machado de Assis cobre tudo, infantil, ensaio, ficção, poesia. Atualmente estou escrevendo um romance, o décimo primeiro. Ainda não tem título;  isso é a última coisa que coloco. Levo em média de três a quatro anos para fazer um romance. Faço, apago, faça de novo. Como jornalista minha escrita flui mais rápido. Concisão, oralidade e rapidez eu devo  à  rádio, onde  trabalhei muito anos.  Antes da Jornal do Brasil trabalhei na BBC em Londres, quando estava no exílio. Fiz crítica de teatro durante uns dez anos, no Jornal do Brasil, na Istó É,na imprensa alternativa, Opinião, Resistência. Gosto muito de teatro. Dei aula de dramaturgia na Martins Pena e na Faculdade de Letras. Adoro teatro mas nos bastidores, não gosto de palco. Desde os tempos do Colégio Aplicação tínhamos um grupo de teatro amador em que fui assistente de direção do Claudio Bueno Rocha durante uns três anos.

Seu ingresso na Academia Brasileira de Letras foi algo planejado?

Não foi nem planejado nem foi um rompante; foi por achar que deveria.  Por circunstâncias familiares era muito amiga do Evandro Lins e Silva. Ele foi amigo do meu pai desde a adolescência e depois o filho dele casou com minha irmã. Convivi muito com ele que sempre me chamou para vir para a Academia, dizia que eu deveria vir. Mas eu não levava sério. Um dia ele tomou um tombo, bateu com a cabeça, ficou uns cinco dias internado antes de morrer. No revezamento que fizemos para acompanhá-lo no hospital pessoas da família e outros acadêmicos comentaram que ele queria muito que eu entrasse para a Academia. Comecei a considerar a ideia quando um acadêmico falou mais firme comigo: “ Você tem de se candidatar”. Então me candidatei. Achei que não seria eleita e só concorreria essa vez para a vaga dele. Os outros candidatos eram o Fabio Konder Comparato,Maria Beltrão e Antonio Carlos Sechin.

Qual o diferencial da sua gestão como presidente da Academia?

A Academia vem se abrindo há algum tempo. Na gestão do Vilaça, antes da minha, fui secretaria geral dele, houve uma  grande abertura na imagem da entidade. Ela foi homenageada por escola de samba, os acadêmicos desfilaram na avenida. Depois começamos um programa de MPB na Academia uma vez por semana. Antes, na gestão da Nélida Pinon  abrimos para as visitas guiadas com uma quantidade enorme de visitas de escolas públicas o tempo todo. Na minha gestão   fiz  parceria com a FIRJAN e a Fundação do Livro Infantil para formação de técnicos em biblioteconomia para trabalhar em comunidades e cidades do interior do Estado com salários pagos pela FIRJAN. Demos dois cursos e formamos 98 técnicos auxiliares de biblioteconomia para bibliotecas comunitárias. Fizemos parcerias com a FLUP.  Vários acadêmicos foram não só visitar escolas mas também a Academia de Polícia da PM, falar da importância do livro, do humanismo. Uma coisa bonita de Academia para Academia. Durante todo o ano a Academia organiza  conferências com convidados e acadêmicos aberta ao público sobre temas variados. Agora em julho tive a ideia de fazer o ciclo “Cadeira 41”, sobre grandes escritores que não entraram para a Academia como Lima Barreto, Clarice Lispector. Teve muita repercussão;  começou com Julia Lopes de Almeida, amiga de vários membros  da Academia. Deveria ter entrado , mas não pode por ser mulher. Nenhuma  academia do mundo admitia mulheres. A nossa foi feita nos moldes da francesa, mas eles só  as aceitaram depois de nós que fomos pioneiros com Rachel de Queiroz.

Como é a sua relação com a escrita para jornal?

Escrevi para jornal a vida toda. Comecei no  Correio da Manhã em 63. A diferença agora é que assino  uma coluna. Sou do tempo em que o secretário de redação do Jornal do Brasil dizia “ Enquanto eu mandar nessa bosta, mulher não assina no primeiro caderno”. Então o meu feminismo não  é de repente; é sentido na pele. Quando  voltei do exílio e fui para a rádio Jornal do Brasil havia censura prévia; bilhetinhos   da censura  pregados no quadro. Todo dia ligava um agente e editava o  noticiário:” de ordem superior  fica terminantemente  proibido falar que existe meningite no Brasil.” Aquela proibição ficava valendo ad eternum e driblávamos como podíamos. Todo dia botávamos  vários jornais no ar. Mesmo com a censura eu tinha de falar. Hoje sem dúvida há mais abertura oficial, mas o patrulhamento que existe não havia naquela época. Todos estávamos de acordo. A redação inteira pensava a mesma coisa. Você saia para a mesa de bar e todo mundo era contra a mesma ditadura. Hoje cada um pensa de um jeito e o linchamento é muito maior do que era. Não tinha o menor risco de apanhar em algum lugar por causa de uma notícia que você redigiu. Hoje tem;  haja visto a Mirian Leitão no avião.  Naquele tempo a situação era mais difícil porque você podia ser torturado e desaparecer, o risco era maior. Mas no círculo íntimo, na afetividade da gente, machuca muito mais hoje. Hoje todos nós somos patrulhados.  Você tem de aprender a não ouvir e procurar ser muito isento. Na minha coluna no  jornal  procuro ser ética. O foco é muito mais uma reflexão ética e uma análise cultural do que uma questão de política partidária. Também não consigo me entusiasmar por nenhum desses partidos

E  a censura às biografias  que teve apoio de  alguns  ídolos da música?

Eu era presidente da Academia e escrevi o texto com o qual ela se associou ao Sindicato dos Editores. Entramos com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, ganhamos, e o parecer que nos deu ganho de causa citou o meu texto várias vezes. A minha posição é muito clara. É inadmissível ter de ter autorização do biografado ou da família para se fazer uma biografia. É claro que se escrever mentira, a lei tem de ser cumprida, contra  a calúnia, difamação. Só que a justiça tem de ser mais rápida, não pode levar anos e anos.

Você se  sente realizada ?

Não posso me queixar. Mas não sou realizada sou privilegiada. Fiz o que quis.  Escrevi o que quis, mesmo vivendo anos da minha vida em uma ditadura. Não só ninguém me impediu de escrever  o que eu queria mas ninguém me forçou a escrever o que eu não queria. Que é um risco muito mais sério. Mesmo coisas que eu eventualmente fiz de encomenda foi porque  topei, adotei e queria. Isso é um privilégio.  Um presente da vida, circunstâncias que me permitiram isso. Fui suficientemente briguenta e briguei com as pessoas certas.

 

06/09/2017