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A lenda das livrarias

 


Aos 96 anos faleceu neste domingo, no Rio, Vanna Piraccini,  fundadora da Livraria Leonardo da Vinci, uma das mais tradicionais do país, e ela uma das livreiras mais cultuadas do mercado nacional.

 


A morte de Dona Vanna, como era conhecida, provocou comoção entre profissionais do mercado editorial e clientes da Da Vinci, como o livreiro Rui Campos, da Livraria da Travessa, do Rio, para quem ela foi “ legenda máxima do mundo livreiro.”

A Presidente da AEL, Danielle Paul, da Livraria Castro Alves, em Araruama, manifestou pesar e “profundo respeito” com a partida da livreira , que qualificou como exemplo de resistência: “ uma inspiração para lidar com as adversidades em nosso meio, não raramente severas.”

No Rio, o livreiro Marcus Gasparian, da Argumento, lamentou, na rede social da livraria, o falecimento “da maior livreira que já existiu” lembrando os momentos de extrema dificuldade pelos quais ela passou, sem nunca desanimar ou se queixar.

“Foi sem saber a professora de todos nós. Hoje, cada livreiro ou amante da leitura nesta cidade está em lágrimas. Obrigado por tudo Dona Vanna”, escreveu Marcus.

O livreiro Daniel Louzada, que assumiu a Da Vinci em 2016, quando esta foi colocada à venda, também homenageou a livreira que até então, apesar da idade, continuava a ir diariamente à livraria.

Na rede social da Da Vinci, Daniel, lembrou que o nome escolhido para a livraria representa uma proposta de renascimento do homem e do saber; “ que o espírito e a história maiúscula de Dona Vanna nos inspirem.”

Fundada em 1952 por Vanna e seu marido Andrei Duchiade, ela italiana, ele romeno, recém-chegados da Europa, a livraria, este ano septuagenária , esteve várias vezes entre as melhores do Rio nas listas dos jornais cariocas.

Ponto de encontro de artistas, intelectuais e políticos, entre eles Clarice Lispector, Glauber Rocha e Golbery do Couto e Silva, a Leonardo da Vinci foi homenageada em prosa e verso sendo o poema A Livraria, de 1973, dedicado a ela por Carlos Drummond de Andrade, o mais famoso:

“... a loja subterrânea expõe os seus tesouros/ como se defendesse de fomes apressadas./ Ao nível do tumulto de rodas e pés/ não se decifra a oculta sinfonia de letras e cores enlaçadas/ no silêncio dos livros abertos em gravura...” a descreveu o poeta.

Drummond foi um dos clientes que ajudou a livraria financeiramente, com dinheiro depois restituído em livros, quando ela, perseguida pelos militares nos tempos da ditadura, foi devastada por um incêndio tido como criminoso.

Milena Duchiade, filha mais velha de Dona Vanna, que deixa também o filho Florin, trabalhou com a mãe até 2016, nos últimos 18 anos em que a livraria foi propriedade da família, e informou que Dona Vanna “morreu em paz, em casa”.

“Cair nove vezes, levantar dez, foi o que aprendi com ela. “ disse Milena. O corpo de Dona Vanna será cremado nesta quarta feira em cerimônia restrita aos familiares, devido aos tempos de pandemia.

Em entrevista à Revista Piauí, em 2015, quando foi anunciada a venda da Da Vinci, Dona Vanna declarou “ A livraria tem um histórico, senão glorioso, ao menos digno. Sua tarefa está cumprida. Posso morrer tranqüila”.

 

10/01/2022