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O Grande Veterano


Alberto de Abreu

Ganhador do prêmio Amigo do Livro, dado pela AEL em 2010, categoria Livreiro Veterano, Alberto Abreu, já foi homenageado pela Academia Brasileira de Letras e pelo governo francês em Paris.

Livreiro há 73 anos, começou na Livraria Acadêmica, na Rua São José em 1938 e em 1973 fundou a Padrão, na Rua Miguel Couto. Com 89 anos trabalha diariamente das 9 às 18hs e não sabe quando vai se aposentar.

Aqui ele fala das mudanças no mercado livreiro, das novas tecnologias, dos bons tempos da Rua São José, e do livro usado quanto mais antigo, mais insubstituível tal qual um livreiro cheio de histórias.


O livreiro

O trabalho em livraria era quase um meretrício, porque a pessoa entrava e nunca mais saia. E os filhos e os netos também seriam livreiros. Hoje é diferente, com auxílio dos computadores, Internet, você procura pessoas que gostem de livros, que estudam, que podem ser livreiros como uma segunda profissão para ter uma casa com atendimento razoável. Mas nem sempre isso é possível. Você entra numa dessas megas hoje e o funcionário te manda para o computador e ele não diz muita coisa. Diz se o livro tem, se não tem. Mas não diz tudo. O livreiro pode dizer esse não tem, mas pode ser substituído por este. O negócio era mais amigo. O Drummond falava que as livrarias eram uma continuação da vida das pessoas. Não sei se hoje está da mesma maneira Há um afastamento. Você por exemplo na Saraiva não vê ninguém. Na livraria da Travessa tem o Rui Campos numa delas e nas outras gerentes preparados que o substituem. A não ser em livrarias do nosso tipo, a Padrão, a Leonardo da Vinci, a antiga Kosmos se vê o dono. Em São Paulo tem havido cursos para funcionários de livrarias. A pessoa recebe umas instruções, não chega a ser um bibliotecário, mas o livro deixa de ser um objeto estranho. Parece que é na Câmara Brasileira do Livro. Anteriormente isso era feito por prática e era muito comum um livreiro passar por diversas livrarias. A grande fornecedora dos livreiros da Rua São José era a livraria Garnier, uma casa francesa na Rua do Ouvidor. O funcionário começava trabalhando lá em cima, depois vinha para o balcão e depois por um motivo ou outro ia trabalhar em uma livraria da Rua São José ou da Rua do Ouvidor. E também era muito com um um ex-empregado de livraria ser o proprietário de uma livraria dessas. A Garnier era a grande livraria e depois foi substituída pela José Olympio que se estabeleceu também na Rua do Ouvidor em frente. Ela tinha seus autores, seus amigos que iam lá. Não era muito popular, mas era muito freqüentada pela elite do livro, autores, professores.

Livrarias

O Rio já teve bem mais livrarias. A Rua São José hoje não tem mais livraria. As livrarias da Rua São José tinham um movimento que era uma coisa fantástica. A Rua do Ouvidor tinha até um certo ciúme. Agripino Grieco ia todo dia à Livraria Quaresma, Catulo da Paixão Cearense também. Eu, na Rua São José conheci Múcio Leão, Dias Gomes, Lúcio Cardoso, Josué Montello, entre outros.As livrarias estão diminuindo por motivos vários, um deles o aluguel. Em matéria de instalação se gasta mais numa livraria que numa editora. Para uma editora só é preciso uma sede, quase sempre própria.A Rua São José era um grande centro de livros. O que se aprendia era ali. Você lidava com todos os tipos de livros. Nas outras só tinha os livros novos. Eu sempre mantive uma seção de livros usados. Mesmo quando era editor, importador de livros novos. O livro usado tem o seu charme. Tem aquela coisa de você não ter o substituto. Há pessoas que só têm livros usados, porque querem livros em primeira edição, querem livros raros, querem livros que não existem novos. Hoje todo mês há um leilão. Tem um na Rua do Rosário, na antiga Kosmos, tem na Babel, na Praça da Bandeira, tem na Rua Frei Caneca. Hoje em dia, as lojas, dessas Megas, só a Travessa tem um aspecto livreiro. Eu costumo dizer que as megas têm tudo, inclusive livro. Mas isso eu compreendo que é uma coisa meio universal;você vai numa banca de jornal tem livro, biscoito, gilete, jornal cada vez em menor número. Na farmácia, o que tem menos é remédio. E assim tudo está se desfigurando. Na Saraiva então, o café e o CD predominam sobre o livro. E isso está se tornando universal. Nós não criamos. Vem de fora. Nunca me esqueci o primeiro dia em que eu trabalhei. Quem me levou foi um parente, e quando eu entrei na livraria Acadêmica, na Rua São José fiquei impressionado com o movimento que tinha. Eu comecei no mês de março época de livro escolar. Não se vendia livro em escola. Quem vendia livro era livraria. Escola tem de vender é instrução.

A tecnologia

O livro não vai ser substituído. Isso aconteceu quando apareceu a televisão: se disse que o cinema ia sentir. Tem pessoas que não gostam de ver filmes na televisão, mas vão ao cinema. Eu, por exemplo, gosto mais de cinema do que de televisão. Futebol eu só gostava de ver no campo, não gostava de ver na televisão. Existe o lado afetivo da coisa. Conheci muita gente que ia dormir com o livro. O negócio do livro de cabeceira é um fato. Alguns liam 4 ou mais livros ao mesmo tempo.O que me prendia muito era o cinema e por extensão o teatro, porque minha mulher gostava mais de teatro do que de cinema. A música não me interessava tanto. Eu tenho celular, mas é para a minha filha me controlar. Para saber onde estou, se estou bem. O celular está aqui, mas se você me perguntar o número eu não sei, e se mandarem um torpedo eu também não sei. Só atendo. E para ligar para ela é só apertar um botãozinho que ele liga direto. Não vou dizer que é uma bobagem,mas que está havendo um exagero, está. Com a Internet também. Não tenho nenhuma relação com a Internet. Só na loja eu uso, mas por intermédio de um executor. O máximo que eu posso fazer é olhar para a tela e dizer aonde tem de procurar. É cansativo para mim. O computador é mal usado; a Internet é mal usada. Antes os pais tinham problema com a televisão na ausência deles. Hoje o problema é com o computador. Mas a censura é um perigo, tudo que é policialesco é assustador. Mas eu tenho um certo receio da futilidade com que vem sendo usada a Internet. Depois você vê pessoas que mal lêem e usam o computador. Acho que essa parte divertida ou fútil da internet deveria ficar reservada para as velhinhas. Para as aposentadas. Eu tenho uma cunhada que se diverte muito com o computador. Na idade dela a maioria dessas pessoas ou vai para o bingo ou para o computador. É claro que não são todas: há as mulheres que gostam de livro, as que trabalham depois de aposentadas e muitas que fazem trabalho social. O perigo é essa mocidade... Enquanto for só um joguinho, vá lá.

O editor

No passado, o editor era um livreiro. Muitos eram livreiros e se tornaram editores. Outros eram as duas coisas, sempre. Francisco Alves, Civilização Brasileira, Jorge Zahar, Melhoramentos. Todos eles tinham livraria, então eles sentiam as coisas como nós sentimos. Como a Milena pensa, como eu penso, como a Dona Vanna pensa. Isso foi uma coisa que aconteceu na França, na Espanha, em Portugal. Havia aqueles que eram gráficos, livreiros e editores. Isso mudou. Tem editor que nunca foi livreiro. Havia um negócio de gerações. Quando não passava para filho, passava para ex-empregado. Houve um tempo aí que a pessoa era muito rica, ou estava no mercado de capitais e para a mulher não amolar muito abria para ela uma casa de modas, uma joalheria. E houve o tempo em que passaram a abrir editoras. Sabe que há umas editoras aí que são donos que têm dinheiro. E tem livrarias de gente que entrou no livro sem aquele caminho anterior natural. Hoje estão vindo portugueses, espanhóis comprando o ramo todo. Como está acontecendo com tudo. Antigamente você era cliente do banco Real e agora é do Santander e não tem mais conversa. O negócio era todo verde e agora é todo vermelho, só o carpete que ainda é verde. Editora então... eu nem sei quem é que está por trás. Mas isso aconteceu no mundo inteiro.A Hachette teve uma fase terrível. Mas hoje você tem na Espanha, nos Estados Unidos, um negócio que é a coisa principal, geralmente um jornal, seguido de uma televisão, por mais não sei o que e por fim tem uma editora. Os mais fracos são os livreiros. A Editora Atlas parece que andou comprando uma porção de editoras trás... é assim. É um caminho que é universal. Você já não tem mais Esso. Esso agora é outra coisa. O editor era parceiro do livreiro e também tinha loja de livros. Hoje o editor não quer saber de livreiro, de livraria. O Jorge Zahar estava todo dia na livraria. O Enio Silveira não andava em todas, mas andava pelo menos nas do Centro. Hoje acho que editores não freqüentam livrarias, a não ser um ou outro. A lei Rouanet ajudou na edição de livros. Você vê que hoje se começa uma editora com a lei Rouanet, o primeiro livro já é financiado. Acho que determinados livros devem ser financiados. Por exemplo, esses livros sobre o Rio de Janeiro, sobre o Brasil, sobre Arte, melhoraram porque e houve esse auxílio. Mas livraria, não me lembro se alguém tem auxílio, pode ser, mas acho que não. Não tem auxílio, a única coisa que tem é esse imposto que elas não pagam.

A Censura

Na ditadura Vargas eles perseguiram muito os editores. Um deles era o Calvino Filho. Ele tinha uma livraria de medicina não muito importante e depois lançou livros como O Poder Soviético e também aquele, Missão em Moscou, foi o primeiro livro de um embaixador americano que olhava os russos de maneira diferente dos seus compatriotas. No tempo de Getúlio havia mais perseguição em casa de particulares. Diziam até que as pessoas tinham medo de ter um livro de capa vermelha porque podiam ser presas como comunistas. Na ditadura militar eles usaram a seguinte técnica:o livro a ser editado tinha de ter uma espécie de beneplácito do governo. Se assim fosse,eles despachavam logo,do contrário seguravam o livro até ele perder o interesse. Ou então fazia na raça. Era o que acontecia com o Ênio Silveira, da Civilização Brasileira. Ele teve militares dentro da firma. Os editores compreenderam que a técnica da censura era de não dar resposta para o livro que não podia sair. Então ou não fazia o livro ou fazia na raça que era o caso do Enio. Aí o livro era recolhido. O Ênio foi perseguido. Eu nunca fui militante, nunca fui de partido nenhum. E reconheço que todos esses partidos tem esse negócio de grande aproveitador, o sujeito vira a casaca. Eu nunca fui governista, ou melhor, mas fui eleitor de um, que foi o Jânio Quadros. Já votei muito em branco. Senador então, era um tal de eu votar em branco... Não aprovei o governo Lula. Ele foi muito hábil, se elegeu deputado e não freqüentava. Ficou fazendo política pelo Brasil inteiro. Acho que o Lula pode voltar. A não ser que ele faça muita besteira, ou a Dilma faça muita bobagem, ou ao contrário, se ele fizer um bom governo. Porque o parlamento é muito ruim e isso bota o povo com saudade da ditadura, do Getulio, essas coisas todas que tem aí. Isso é muito ruim. No passado, o vereador era o médico de um bairro, era o educador de um bairro, o advogado. Era assim que era feita a Câmara de Vereadores e por extensão as câmaras estaduais. Depois começou a aparecer o artista de rádio, o artista de televisão. Alguém que puxasse o voto. E depois ficou sendo aquele que tinha trânsito com o favelado. Eles conseguiram baixar o voto de 18 para 16 anos. O jovem de 16 anos se comete um crime fica numa escola correcional. Mas com 16 anos ele pode dirigir e eleger. Então o candidato a vereador procurar pegar o pessoal de 16 anos, principalmente os pobres e os mal informados. E o outro que é filho de rico nem quer ir votar: “Vou perder minha praia no dia da eleição?” Você vê que tem mais gente de 16 anos de baixa renda. E esses em sua maioria vão votar por interesse. O candidato é sempre aquele que pode dar um benefício qualquer. Quando eu era menino era um par de sapatos, uma dentadura. O sapato você eles davam um pé, o outro pé era depois da eleição.

O cliente

Eu era uma pessoa paciente. Uma das características minhas era a seguinte. A pessoa chegava na livraria da Rua São José e perguntava: “tem tal livro?” Eu podia saber que não tinha mas nunca dizia. Eu ia na seção depois voltava e dizia “Ah, o meu último foi vendido, eu não tenho”.Às vezes, aquele freguês na saída comprava um livro. Uma vez liguei para um cliente e a mulher dele atendeu, professor Celso Melo. Ela disse: “Senhor Alberto, estamos falando aqui no senhor às gargalhadas. Está aqui o dono da livraria Renovar e o Celso está contando uma história sua”. Era essa história, o sujeito pedia um livro eu não dizia que não tinha aí ele entrava na livraria e às vezes saia com um outro livro. Isso era muito comum. O cliente mais antigo, de mais idade está sumindo um pouco da livraria. Porque a cidade está desagradável, violenta. Tenho amigos que chegam lá na loja de carro, o motorista vai embora, deixa ele e volta para apanhar depois de uma certa hora. Ando muito em leilão de livros. Compro para os meus fregueses. Hoje mesmo comprei um livro em um leilão. Dei uma ligação para o Pará: “Comprei um livro para o senhor, uma edição dos Luzíadas de 1854. O senhor hoje vai receber uma Xerox com a folha de rosto e a descrição do livro”. “Ah eu conheço! Eu quero!”. Eu tenho tempo para isso e é o que me prende mais. É a satisfação que as pessoas têm de possuir um livro.

E tem o sujeito que rouba. Existe o ladrão que rouba por encomenda. Ele chega com uma saca, bota dez livros e vai embora. Dá um prejuízo danado. Porque quando te roubam um livro novo você tem de vender cinco para tirar o prejuízo. O livro de R$100,00 custou R$60,00 ou R$70,00. É comum o sujeito roubar o livro em uma livraria e ir vender na outra. Houve uma vez em que o homem chegou com uma caixa embrulhada para presente, mas um dos lados baixava e o meu sócio pegou ele com um dicionário Seguier, que era fácil de vender. Vida do Bebê, dicionários e Guia Rex eram fáceis de vender. A minha filha já pegou um sujeito que quando abriu o paletó, o bolsos eram dos tamanhos dos livros. Havia um camarada na Rua São José que comprava roubo adoidado. Um dia chegou um carrinho de mão com uns livros. E quando chegou o carrinho de mão chegou à polícia. Mas decidiu-se não levar o caso adiante porque se constatou que os livros eram vendidos por um parente dele, dono da livraria roubada. De roubo havia coisas terríveis, terríveis. E hoje mesmo os editores ainda se queixam de que o livro antes de lançado já está sendo vendido na praça, na rua.

O Desconto

O desconto ao freguês aumenta o preço do livro. Antigamente você só tinha 30%, mas tinha prazos melhores. Hoje as Megas têm descontos brutais e têm consignação. Então, quem dá 50, 52, 55... 60, parece que a Siciliano dava, ou quer perder dinheiro ou tem uma válvula de escape. A válvula de escape é aumentar o custo do livro. Então você aumenta o preço do livro para poder dar esse desconto. Pessoalmente acho que a Livraria da Travessa, a Saraiva, a Cultura, essas cadeias, podiam dar um desconto maior que eu que sou pequeno, como acontece nas farmácias.Mas não era para usar esse desconto para esmagar o pequeno.Ele podia usar isso em vantagem própria. Podia dar prêmios, podia fazer a loja mais bonita.

Acho que há possibilidade de implantar a lei do preço único no Brasil, basta ter a adesão do editor. Hoje sai um livro e você liga para a Mega e,já no lançamento,o livro está com desconto.Aí, qual é a saída dos outros? É acompanhar. A Saraiva faz um negócio um pouco diferente. Faz uma seleção e cada semana faz uma promoção. Mas se eu quero comprar para atender um freguês meu ou um pedido que tenho que mandar para fora, vou lá na Saraiva: “quer me vender esse livro?”. Não tenho desconto nenhum; é desigual. Eu, se tenho desconto na Travessa é porque tenho uma história no livro. Acho que se pode fazer como na França, com o cartão fidelidade. Depois de um certo número de livros comprados, o cliente tem um desconto. Eu já disse para freguês meu. “Você parece que está na Bolsa. Você quer um livro ou quer um desconto?”. A gente perde a paciência, às vezes. O livro vale isso, compra. Agora você compra porque tá barato, ou porque vai ganhar um desconto?

A Leitura

Ainda leio muito. Uma coisa que eu aprendi é que não pego em um livro sem abrir. E se possível leio índice, bibliografia. Fico fulo da vida quando descubro o conteúdo de um livro depois de ele estar lá comigo há muito tempo. Já aconteceu de um livro estar na sessão de direito e era um livro de filosofia .Gosto muito de livro desde os 7 anos. Aprendi a ler quase que sozinho. Meus pais alugaram uma casa que os donod moravam num palacete ao lado. Eles não tinham filhos pequenos, mas tinham muitos livros. Então eu passava o dia ali. Eu lia livros sem estampa, sem ilustração. Eu fui um leitor de antologias, li muitas antologias. Mas eu li um conto que me atraiu muito “A última corrida de touros de Salvaterra”, de Rebelo Silva. Em seguida vieram Lobato, Mark Twain. Depois foi “Canaã”, que é um livro do Graça Aranha,um livro difícil de ler, como “Os Sertões”. O Coelho Neto é difícil de ler. Porque no passado quase tudo começava com uma descrição. Cada ambiente que aparecia o autor ia fazendo uma descrição. Quando ando de Metrô sempre procuro ver o que as pessoas estão lendo e quando você vê alguém lendo um livro pode estar certo de que é um estudante. Adulto ou não, mas é um estudante. Raramente é um romance, ou um auto-ajuda que está na moda. Já no exterior a leitura é uma coisa impressionante. Hoje eu leio coisas relativas a livros em geral. Hoje leio obras relativas a livros, que falem sobre literatura e um pouco de política também.Uma vez, na casa de um grande professor,ele me mostrou “Aqui tenho meus livros raros, aqui minhas novidades”. Eu peguei 3 ou 4 livros novos brasileiros e não brasileiros . Ele era a pessoa que mais entendia de Filologia no Brasil e quando abri vi marcados uns “xs” no índice, no final do livro. Perguntei o porquê e ele disse: “Alberto, as novidades são os ítens que eu marquei. O resto não tem nada de novo. Pode ser um brasileiro, um francês, um alemão.”Hoje às vezes eu levo para casa um livro que fala de história do passado, de políticos e tal. Fico lendo historias de escritores e coisas assim. Prefiro a não ficção.

Meu livro

Editei livros de Filologia e estou no Prefácio e na dedicatória de alguns livros. Livros de história, até livros de direito. O autor agradecendo a minha contribuição para tal livro. A bibliografia, por exemplo, tem autor que pode saber aquela matéria, mas fazer a bibliografia, por exemplo, ele não sabe. E há casos, por exemplo, de gente que não sabe comprar o livro. Eu peguei muita aluna de faculdade de Filosofia que chegava e dizia. “Eu queria esse livro”e eu dizia “Isso não é um livro, isso é um artigo que está dentro de um livro”. Muita gente insiste para que eu escreva um livro. Mas tem pessoas de quem eu vou falar que não vão poder se defender. Houve casos de que fui testemunha e outros que sabem disso vão dizer: “Ah, você não deveria ter falado” ou “Você não deveria ter falado de uma pessoa que já não existe”. Eu editei quase todos os filólogos, professores de Língua Portuguesa, de Latim. Alguns adversários, até inimigos. Eles freqüentavam a livraria e quando calhava de os dois chegarem juntos eu ficava com um e meu sócio ficava com outro. Eu editava livros de pessoas que não se davam. Um dia chegou um professor de São Paulo: “Eu estou trazendo um livro e quero saber se o senhor edita”. Eu digo: “Tenho interesse em fazer livros de professores de São Paulo”. Ele disse: “Tá bem. O livro está aqui.” Era um livro sobre trovadores. Ele me perguntou: “Mas esse livro vai ser visto por determinada pessoa”? Era o dono do assunto na época. Eu disse “Não, por que?.” “Porque, mais cedo ou mais tarde ele vai fazer alguma coisa parecida e será uma cópia”. Então havia esses casos. Havia um livro de Latim que eu tinha, uma Metodologia de Latim e um outro autor tinha uma Didática. E eu editei os dois. Já me disseram que deveria fazer as minhas impressões. Talvez, talvez.

Vai sair agora uma Historia das Livrarias, do Ubiratan Machado e eu dei muita colaboração. É um jornalista muito bom que cultua a Literatura e fez o Dicionário de Machado de Assis. Eu, se não fosse livreiro gostaria de ter sido jornalista, porque acho empolgante. Embora hoje a gente não tenha nem lugar. O camarada que não queira escrever no O Globo, vai escrever aonde? Vai escrever em São Paulo? O Ubiratan Machado também fez um livro sobre as etiquetas das livrarias, a História das Etiquetas. Esse a História das Livrarias vai ser muito importante. Acho que o editor pode ter o carro chefe. Esse carro chefe tem a obrigação de carregar uns determinados livros que não têm uma resposta imediata, mas são livros importantes que valorizam seu catálogo. É assim nas grandes editoras. Agora mesmo eu vi uma entrevista do diretor da Biblioteca Nacional dizendo que vai fazer pequenas livrarias. Acho que a Biblioteca Nacional deveria ter o espírito de fazer os livros que os editores por um motivo ou outro não podem fazer...

A Cidade

A cidade está acachapante. As pessoas se esbarram. A Rua Gonçalves Dias era uma Rua com uma freqüência nobre, com comércio fino... O piso das calçadas era importado.A Avenida Rio Branco tinha a Casa Canadá, onde as senhoras deixavam suas peles na geladeira para não estragar. Hoje não sei qual o lugar chique no Centro. Os shoppings acabaram com o comércio das ruas. Acho que a Leonardo da Vinci tem de agradecer de ser ali embaixo. O camelô não vai colocar um tabuleiro na porta da Leonardo da Vinci. Não para automóvel na porta. Lá embaixo acho que é melhor. A cidade está muito populosa. Você se sente mais a vontade em Madrid, Lisboa, até em Paris. Porque eles não têm a população que tem aqui. O camelô antigamente era diferente. Ele era meio artista.Fazia umas mágicas, falava alguma coisa e depois ele ou um auxiliar dele vendiam um produto. E era um produto que não havia na loja em frente onde ele estava trabalhando. Hoje não, você vende um sapato em frente à sapataria. O camelô era um pouco poético. Silvio Santos foi camelô. Vendia uma caneta que ninguém tinha ou que você não sabia da existência, ou que não interessava ao comerciante ter. Hoje camelô vende tudo e ainda vende o produto falsificado, roubado.A Presidente Vargas está vazia. Ela deveria ter prédios mistos. E com isso apareceria o comércio nesses prédios. Hoje você não vê quase ninguém morando no Centro. É muito raro. Aqui se morava muito, ou em pensão ou em apartamento. Acho que a Presidente Vargas deveria ter muitas moradias. No meu tempo de jovem tinha os dancings na Rua Chile, onde hoje é a Rua D Ajuda. A cidade tinha mais atrações. Do outro lado onde é o edifício Avenida Central era um edifício quase que social, porque tinha restaurantes tinha cafés... era a Galeria Cruzeiro, era um ponto de embarque dos bondes.A Lapa eu não tenho freqüentado, mas freqüentei no passado e nunca vi nada perigoso. E a Lapa tinha o Automóvel Clube, que era bem freqüentado, tinha a Escola Nacional de Musica.Ali na Lapa era um ponto final de bondes. Frequentei o Dancing que havia debaixo do Teatro Municipal, chamado Assyrius, também foi um restaurante de luxo. O Municipal eu freqüentei pouco, mas fui muito ao teatro. Havia um teatro muito bom chamado Serrador, o teatro em que a Bibi Ferreira mais trabalhou.

A Feira do Livro

Eu trabalhei na Feira do Livro. No tempo do Santana a Associação do Livro instigava os livreiros para participar. Ela era freqüentada por livreiros, por representantes dos livreiros. Hoje você sabe que não é assim. Participam alguns que não tem firma. Eu mesmo passando pelo Largo do Machado na última vez não via nome de ninguém nas barracas. Nome de ninguém.Outro,se está escrito Record, não é Record. A Record cedeu o nome. A Feira era para atrair uma freguesia que não existia. A Feira da Cinelândia era uma coisa bem organizada. Eu fiz umas partidas simultâneas de xadrez. O Clube de Xadrez era ali perto, e botamos uns quarenta tabuleiros. O Almeida Soares jogou contra todos, só perdeu uma. Eu tinha uma Revista de Xadrez, tinha uma seção de xadrez na Acadêmica, importava livros de xadrez. A Feira tinha umas atrações. Tinha lançamento de livro. Hoje os vendedores da Feira não trabalham em livraria, não sabem responder nada. Sabem pegar o livro e entregar. Existe Feira de Livro decente. Parece que a de Porto Alegre é uma delas. Tem livreiro que nunca aderiu por um motivo ou por outro. Mas tinha livrarias, a Ler, por exemplo, era na Rua México e freqüentava a Feira na Cinelândia. Era uma coisa bem feita. Hoje não freqüentaria mais.
Parece intromissão minha falar das coisas da Cidade, o Rio de antigamente. Mas não dá para não ter uma certa nostalgia, um saudosismo de outros tempos que vivi, na cidade em que nasci e que amo muito.