Novo paradigma do mercado
Presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, tradicionalmente gerido por donos de grandes editoras brasileiras, Dante Cid, engenheiro de computação, pós-graduado em inteligência artificial, é exemplo da nova era no ramo editorial.
O SNEL, fundado há 83 anos, foi presidido por editores como Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, Sérgio Lacerda, da Nova Fronteira, Sonia Machado, da Record e Marcos Pereira, da Sextante, que passou o cargo a Dante Cid em 2022. Ele é o vice-presidente de Relações Institucionais para a America Latina da holandesa Elsevier, maior editora do mundo, onde começou como tecnólogo e passou a funções ligadas ao livro. Como engenheiro de computação, a primeira atividade na editora foi de consultor em biblioteca digital no início dos anos 2000 quando 70% do acervo já estava nesse formato. Seis anos depois assumiu o setor que englobava a Editora Campus, comprada pela Elsevier. “Foi assim que entrei na parte editorial,” relata, “com uma visão completa, desde aquisição de livros até a venda do catálogo local. Desde então, sou apaixonado pelo livro.” A Elsevier, fundada em 1880 em Amsterdã, chegou ao Brasil na década de 50 através de agentes de revenda das publicações científicas e se instalou no país em meados dos anos 90 ao comprar a Campus. É a maior editora do mundo no ranking de faturamento desde a queda das editoras de educação que costumavam ser as primeiras colocadas no setor. Entre os seus best-sellers está Anatomia de Gray. Lançado em 1858 pelo cirurgião inglês Henry Gray, o livro, clássico da anatomia, na 41ª edição, emprestou o nome à série Gray’s Anatomy, produção da TV norte americana sobre jovens médicos, na vigésima temporada. Outros best-sellers são as revistas científicas The Lancet, publicação britânica da área médica lançada em 1823 e Cell, uma das mais importantes na área de biologia celular, lançada em 1974 nos EUA. Segundo Dante, a Elsevier não é tão conhecida no Brasil porque hoje todas suas publicações são em inglês: “O mundo da pesquisa, alvo principal, prefere falar em inglês para uma comunicação global. Continuamos com editores de aquisição que compram para a publicação em inglês.” “No mercado brasileiro há cada vez mais editoras internacionais adquirindo editoras tradicionalmente familiares.” diz Dante.” Se olhar a diretoria do SNEL de vinte anos atrás, ela era quase cem por cento formada por donos de editoras ou famíliares dos donos.” “Hoje inevitavelmente temos a presença de executivos das editoras ao invés de apenas os donos e família dos donos.” Ele participa da entidade desde 2012 e já foi Conselheiro Técnico Editorial e Vice-Presidente de Assuntos Administrativos. “Sempre fui bastante interessado nesse fórum que o SNEL proporciona” . Na sua gestão Dante viu avanços no mercado editorial e na estrutura da diretoria que preside e representa cerca de 300 editoras, dez de grande porte e a maioria de pequeno e médio. “Fiz questão de ter representantes de toda ordem de grandeza na diretoria. Acho importante ter essa diversidade se não teríamos um ponto de vista muito viciado.” Pela primeira vez o SNEL está fazendo uma pesquisa sobre inclusão e diversidade nos quadros funcionais do mercado editorial: “É uma pauta que quero dar prioridade para mostrar ao mercado a importância de promover a diversidade nos nossos quadros e que isso reflita no seu conteúdo.” “O caminho para nos fortalecer é através da colaboração entre os atores do setor, para o bem comum e o bem do livro.” Em 2022, na gestão de Dante, o SNEL patrocinou a primeira edição do Guia de Livrarias do Estado do Rio de Janeiro, lançado pela Associação Estadual de Livrarias RJ. “Sempre tentei criar um ambiente prolífico, colaborativo que é mais o meu perfil que o ambiente competitivo, predatório, que não tem espaço no mercado hoje. Esse é o motivo de gostar da diretoria e gostar de estar à frente do SNEL.” Em outubro Dante Cid vai à Feira do Livro de Frankfurt que, segundo ele, é o maior evento do setor editorial no mundo, em número de negócios e de público. Em março, representando o SNEL e a Elsevier, esteve na Feira do Livro de Londres, outro evento relevante do mercado global.
Como foram as atividades em Londres? Grandes feiras como a de Londres e Frankfurt têm várias facetas. Dependendo da sua agenda você tem uma rotina de compromissos diferente de uma pessoa ou de outra. O Marcos Pereira vai para adquirir títulos para a editora dele, o que não é minha função no momento . Fui para representar o sindicato e a Elsevier, junto aos parceiros internacionais. Há uma dezena de associações similares ao SNEL no evento e fui focado em participar com essa rede de contatos de debates, troca de ideias. É uma agenda diferente da de um editor, com foco em garimpar o que há lá fora. Fiquei feliz de fazer essa ponte para trazer esse debate muito forte no exterior sobre inteligência artificial para o qual a indústria local ainda não estava muito antenada. O impacto que isso pode trazer para o nosso mercado, em todos os aspectos; da venda em livrarias à criação editorial. Um dos frutos é que vamos ter dia 15 um evento, organizado pela diretoria do SNEL e da ABDR para passar isso, discutido em Londres, aos colegas daqui. O burburinho na Feira de Londres foi a inteligência artificial, não se falou de outro assunto na conversa entre associações. As oportunidades para o mercado editorial e os riscos para a criação intelectual. Se grandes plataformas, como Google e Facebook tiverem acesso irrestrito a qualquer conteúdo, mesmo protegido por direitos autorais, isso acarretaria um desastre para a indústria criativa, inclusive a editorial.
Que efeito a inteligência artificial pode ter na venda nas livrarias? Meu primeiro congresso de inteligência artifical foi o KDD 2000 – Knowledge Discovery and Data Mining, - em Boston. Alí o case de sucesso já era a Amazon, por causa da capacidade de conhecer o cliente e fazer ofertas customizadas com base no perfil. Por isso ela começa com o livro; uma forma bem completa de se conhecer uma pessoa é através do perfil de consumo de livros. Não havia um procedimento explícito de inteligência artificial ainda, mas algumas técnicas aplicadas onde se poderia descobrir detalhes do consumidor que permitiriam ofertas mais adequadas. Com a inteligência artificial, 24 anos depois, é possível detectar para o cliente o que ele gostaria de adquirir e fazer uma oferta especial sabendo que ele só irá pagar um valor de até R$ 39,90. Acima disso não é o perfil de compra dele. Isso pode ser transferido de maneira fluida e transparente para o setor do livro e chegar a cada consumidor de modo adequado ao seu perfil. Podemos ir além do aspecto comercial; entender o cliente a ponto de criar na livraria o ambiente mais acolhedor para ele. A Bienal foi um tremendo sucesso e todos se perguntam o que é preciso fazer nas livrarias para repetir aquele clima que torna o livro tão atraente, faz o consumidor se engajar e adquirí-lo. O que atraiu na Bienal foi a hiperconectividade: chamamos influenciadores do Youtube, do TikTok, autores não necessariamente best-sellers mas com conexão enorme junto aos jovens capazes de atrair público só pela sua presença.
Foi uma Bienal para os jovens? Exatamente. As pesquisas mostram que o público jovem está lendo muito mais que as gerações anteriores, lendo no impresso. Não no digital como se esperava há quinze anos; todos achavam que hoje seria 80% no digital e 20% no impresso. Isso não aconteceu no Brasil, estamos só com 5% de digital. Se for comparar com a primeira Bienal que tinha senhores engravatados circulando entre os estandes, foi uma feira para o público jovem. A beleza disso é que esse público, ganhando essa paixão pelo livro, irá ser leitor para o resto da vida. Queremos semear essa paixão no jovem, principalmente. Se nisso conseguirmos atrair algumas pessoas mais seniors, maravilha. Mas num país como o Brasil, com baixo índice de leitura queremos semear esse prazer pela leitura que vá perdurar por toda a vida e daqui a 40, 50 anos teremos um país muito mais leitor do que temos hoje.
A Bienal do Rio e a de São Paulo são equivalentes? A CBL tem a Bienal de São Paulo e o SNEL a do Rio. Nós tentamos aproximar ao máximo a forma e o que é oferecido ao público. Convidei a CBL para fazer a Rodada de Negócios de Venda de Direitos também na Bienal do Rio que só acontecia na de São Paulo. Colegas que vinham do exterior para adquirir títulos brasileiros tinham de vir ano sim, ano não, porque isso só acontecia na Bienal de São Paulo. Em termos de tamanho cada Bienal tem sido maior que a outra. A do ano retrasado em São Paulo foi enorme, a do ano passado no Rio maior ainda. Em termos de público a do Rio atrai mais porque temos mais visitação escolar. A parceria com as prefeituras do Rio e de outros municípios do estado é muito forte. Dentro daquele objetivo de semear a leitura entre os jovens isso é muito importante. Nesse aspecto a visitação em São Paulo é bem mais tímida, na última edição já foi mais relevante. Depende das prefeituras enxergarem o benefício e promoverem essa visitação escolar. A CBL já está tendo sucesso nisso, mas é uma questão política. No Rio temos a sorte de, independente da administração, os prefeitos têm sido favoráveis a continuar promovendo a presença dos alunos. Esperamos que a política não deteriore e radicalismos não venham acabar com essa prática.
E a Bienal do ano que vem com o Rio como Capital Mundial do Livro? Estamos com muitos planos. Essa eleição foi uma felicidade imensa. O SNEL trabalhou muito próximo da prefeitura para bolar o plano de ação. Não se sabe as cidades que estavam concorrendo, eles não divulgam. Mas não houve nenhuma da Europa porque este ano a Capital Munidal do Livro é Estrasburgo, na França, e em anos consecutivos não pode ser cidades do mesmo continente. Concorreram cidades asiáticas, africanas, outras das Américas e o Rio foi eleito graças a esse plano muito bem montado entre Prefeitura e o SNEL, com vários eventos. A cereja do bolo será a Bienal. Esperamos que seja a maior Bienal de todos os tempos em meio a esse ano de Capital Mundial do Livro. Mas muitos outros eventos vão acontecer; a prefeitura está preparando a reforma e aprimoramento das bibliotecas públicas, ações em conjunto com as escolas para a formação da leitura, congressos e seminários para discutir a questão editorial. Queremos trazer para as livrarias a possibilidade de participarem desses eventos, tipo Virada da Leitura. Que as livrarias possam estar abertas para noites de celebração do livro.
Porque o TikTok atrai os jovens para a leitura, o algorítimo é melhor? Isso não entraria no algorítimo se não houvesse pessoas apaixonadas pelo livro. O algorítimo capta o interesse das pessoas e amplifica. Havia um público interessado que passou a seguir esses influencidadores, principalmente no TikTok mas também no Youtube. É curioso, porque na última edição da pesquisa Retratos da Leitura os entrevistados indicavam o acesso às redes sociais como principal concorrente pelo tempo de lazer, que talvez tirasse um pouco de tempo da leitura. Hoje, com o fenômeno dos BookTokers e influenciadores do YouTube uma coisa se alimentou da outra. Em vez de concorrência há uma parceria para o tempo de leitura. Acredito que as principais editoras têm feito uso intenso desses canais na divulgação dos seus livros. Muitas ainda têm de aprender a promover de uma maneira orgânica: algo artificial, forçado, o jovem não vai querer. Tem de ser alguém engajado com esse público, que faça a diferença. O TikTok tem sim influenciado na lista dos mais vendidos, mas foi uma eventualidade porque no momento em que surgiu esse fenômeno era a rede preferida dos jovens. Eles foram migrando, passaram pelo FaceBook, pelo Instagram e quando chegou o momento do TikTok o algorítimo dele foi bastante inteligente de captar essa vertente do influenciador do livro. O YouTube já tinha esses influenciadores mas não tinha decolado como o fenômeno do BookTok. Foi uma feliz coincidência do TikTok estar em alta e captar esse fenômeno específico.
A parceria entre livrarias, uma indica o outra, existe entre editoras? São duas realidades bem diferentes quando se fala de um autor já conhecido ou de novos autores. Os editores de aquisição recebem dezenas de manuscritos que podem não se enquadrar na estratégia editorial daquele momento: “ talvez na editora X você vai ter alguém mais interessado nessa linha, porque não publico biografias”. Isso acontece muito. Mas quando você fala de grandes autores a concorrência para atrair aquele título para sua editora é parte do negócio. Todo mundo precisa e quer ter um best-seller dentro de casa para poder criar o fôlego que permite investir e descobrir novos talentos. O mundo técnico é um pouco diferente porque não é a questão do best-seller que atrai, mas no mundo trade há concorrência mas diria que ela é saudável. Não vejo ressentimentos de uma parte ou de outra, só exceções, que acontecem.
Quais avanços houve no mercado no seu mandato à frente do SNEL? A principal vitória foi a reforma tributária; uma vitória imensa do setor que comemoramos pouco. Em conjunto, a CBL, SNEL, Abrelivros, atuaram de maneira intensa, com muita prioridade dentro das diretorias para garantir que o livro continuasse com a imunidade tributária. Conseguimos sensibilizar os legisladores sobre a importância do livro para o Brasil, onde há um gap educacional importante entre os menos favorecidos e os bem posicionadas socioeconomicamente. Com o encarecimento do livro essa realidade iria deteriorar; prejudicar ainda mais os com menor poder aquisitivo. De longe, foi a vitória mais importante nos últimos anos. Garantiu que a imunidade tributária valesse não só para os impostos mas também para as contribuições. Havia uma lei que nos dava amparo para o PIS/Cofins, mas que era passível de ser facilmente revista. Agora a imunidade abrange IBS, CBS, qualquer tributo, tenha nome de imposto ou não, o livro está isento. Uma decisão que irá favorecer gerações pela frente e manter o livro acessível para toda a população. Tivemos outras vitórias importantes do setor legislativo e a próxima diria é a Lei Cortez. Estamos muito engajados. A liderança nesse setor é da ANL, de promover a aprovação da lei, mas o SNEL está totalmente parceiro para garantir que ela esteja visível e tenha prioridade na votação no Congresso. A lei permitirá às pequenas livrarias prosperarem. Nos países onde ela existe há claramente o benefício para o mercado livreiro local. A aprovação tem de ser pelo Congresso, mas há um Plano B; aprovação através de uma emenda do executivo que nesse governo ganha mais possibilidade. No momento em que o Ministério da Economia tiver mais segurança de que as contas estão sob controle, poderemos chamar a atenção para esse item. Temos sorte que o Haddad foi Ministro da Educação, foi um dos que primeiro aderiu à importância da imunidade do livro. Por isso achamos que há alguma chance nessa rota alternativa através do executivo.
O aumento do banimento de livros nas escolas dos EUA reflete aqui? Claramente. Os políticos estão usando isso para promoção junto ao eleitorado. É muito nocivo porque o livro acaba como alvo na guerra ideológica. Um alvo fácil, simbolicamente relevante, chama atenção na mídia. Alguns dizem para não se preocupar porque livro acaba vendendo mais. É verdade, mas ruim a longo prazo. Para o político, mesmo que o livro venda mais, não importa, ele conseguiu se promover junto a sua base conservadora. Estamos pensando em medidas junto ao STF para prevenir; tornar bastante claro que um livro já aprovado no PNLD e aceito pela escola não possa posteriormente ser retirado. Ele já passou por essas duas esferas, está aprovado e um político não pode querer tirá-lo da estante da biblioteca.
Como editora científica a Elsevier será mais aberta à IA? Já está. Isso cria um problema para nós no ponto de input, na criação dos autores. Alguns não divulgam que fizeram uso de ferramentas de inteligência artificial e há um pedido explícito nosso. Pode-se fazer uso para revisão de texto, transcrição de idioma, mas o conteúdo principal da pesquisa não pode ser criado pela IA, a autoria tem de ser humana. Alguns autores omitem isso na hora de submeter o manuscrito. É ruim por gerar uma série de problemas éticos, de verificação da veracidade da pesquisa. No lado da divulgação para o público ajuda muito. Implantamos soluções em algumas plataformas para facilitar principalmente ao jovem pesquisador ter um resumo mais dinâmico de toda pesquisa feita no mundo para um assunto. Invés de vasculhar dezenas, centenas de manuscritos ele consegue ter uma sumarização desse conteúdo através de uma ferramenta que desenvolvemos chamada Scopus AI. Outra forma que já vínhamos usando é na de recomendações para o leitor; ele leu um artigo e descobrimos alguns outros artigos que possam interessá-lo poupando o trabalho de pesquisar na literatura científica. Inteligência artificial, como qualquer ferramenta humana pode ser usada para o bem ou para o mal.
Qual a porcentagem de livros entre os produtos da Elsevier? Não somos a maior do mundo em livros. Creio que a sexta. Nosso forte é a revista científica, são mais de dois mil títulos. Para o universo do livro pode parecer pouco, mas na área da revista científica é muito; o maior catálogo entre as editoras do ramo. Desde o início dos anos 2000, quando começamos a digitalização, deixamos de nos preocupar com a quantidade e sim com a qualidade. Há uma crise no setor por causa da criação artificial de conteúdo. Pesquisadores alegam ter feito uma pesquisa que não houve, onde os dados foram manipulados, imagens manipuladas. O trabalho é imenso para garantir que toda pesquisa publicada seja genuína. São centenas de milhares de manuscritos submetidos à editora no mundo inteiro e precisamos de uma equipe capaz de filtrar o que é verdadeiro. Um trabalho colossal, feito globalmente, e a eficiência nele é que nos garante ter, nesses dois mil títulos, o nível de qualidade que temos, considerado o melhor entre as editoras técnico- científicas em termos de revistas. Nosso portfólio é 80% revistas e 20% livros, e 94% é digitalizado. Só temos impresso para quem pede a versão impressa, o que é exceção. Hoje atendemos ao cliente institucional, as universidades. Há plataformas que trazem todos os livros digitalizados; estamos deixando de oferecer os livros em prateleiras, está tudo em coleções digitais com acesso direto pelas universidades. Ainda há livros com o selo Elsevier nas livrarias, mas transferimos esse catálago para a Gen, para a Alta. Agora estamos só com a publicações em inglês, geralmente vendidos por encomenda. Livros em português com nosso selo são do contrato antigo. Infelizmente nossa parceria com as livrarias se reduziu com o tempo porque o perfil do comprador de livro de pesquisa e universitário mudou. De uns quinze anos para cá a venda do CTP – científico, técnico, profissional – representa menos de 30% do que foi a 15 anos. Professores e alunos encontram formas alternativas de acesso ao conteúdo o que afetou mais o livro universitário do que qualquer outro segmento. Achamos que não fazia mais sentido.
A venda do livro nas escolas pelas editoras é um caminho sem volta? A crise que abateu o CTP começa a se fazer presente no didático. Se olhar do ponto de vista da livraria é realmente uma pena, mas na realidade não é uma opção da editora. Elas perceberam que muitas escolas estão adotando sistemas de ensino próprios e se a editora não fizer parceria com determinadas escolas ela acaba aumentando as chances de virar outro sistema de ensino. Essa parceria acontece por força do mercado e não por opção da editora. Se ela não for desenvolvida cada vez mais as escolas vão deixar de indicar livros e vão passar a fazer sistemas próprios de ensino. Achamos que é uma perda porque nada substitui o trabalho de curadoria, revisão, montagem feito pelo autor do livro tradicional. O sistema de ensino, a longo prazo, vai carecer de atualização didática, atualização metodológica e atualização técnica, coisa que só o mercado como um todo consegue prover. Não é uma atividade fim da escola ser editora e nem ser livraria. Ela passar a cumprir essas duas funções e é um papel arriscado que a longo prazo compromete a qualidade do conteúdo. Minha visão é de que essa ida às escolas é para evitar essa proliferação de apostilas que estamos vendo.
Qual a sua relação com o livro como leitor? Guardei os livros mais simbólicos da infância e juventude. Tenho a primeira edição do Cosmos, do Carl Sagan, sempre fui apaixonado pelo espaço; os livros da coleção Para Gostar de Ler, que li na infância, comprados por meus pais. Foi o que me despertou o gosto pela leitura. Na escola era um pouco pesado, clássicos que não me despertavam a paixão por livros. Um belo dia chego em casa e lá está a coleção com crônicas do Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, me apaixonei por aquilo. Hoje o autor mais importante para mim, é Umberto Eco. Os livros dele são maravilhosos; O Pêndulo de Foucault, O Cemitério de Praga, O Nome da Rosa. Lamentei quando ele se foi porque não iria haver mais. As editoras amealham os manuscritos, fazem coletâneas, mas não é a mesma coisa que um romance. É o meu autor preferido de todos os tempos. Já experimentei o audiolivro mas me dou melhor com a leitura. Escutei a versão em áudio de O Alquimista, muito legal, bem narrado pela Beth Goulart, voz e entonação maravilhosas. É o tipo de literatura que cai muito bem no audiolivro. Numa fase da vida li toda a obra dele. O Paulo Coelho veio quando eu era muito focado, vivia no computador; eu e uma tela, como programador e analista. Descobri que havia um lado meu, espiritual, que precisava ser mais desenvolvido e então li várias obras. A mais importante foi Autobiografia de um Iogue de Paramahansa Yogananda, um clássico de todos os tempos. Um livro que mudou minha vida. Ainda o tenho com muito carinho. Em certa fase eu, felizmente, passei a nutrir esse lado espiritual, que para mim fez muito bem.
Kleber Oliveira 4/4/2024 Essa matéria foi replicada no site do Sindicato Nacional dos Editores de Livros - SNEL, que pode ser acessado aqui. |