O autor na livraria
No mundo de relações virtuais, a presença do autor na livraria ajuda a manter uma tradição do mercado editorial que permite a conexão real com os leitores, a interação com os livreiros e a clássica dedicatória para os fãs.
Alberto Mussa autografa para a atriz Regina Casé em lançamento da Folha Seca
O fechamento em julho da Malasartes, primeira livraria infantil do Brasil, muito comentado na imprensa, teve o relato, no jornal O Globo, da escritora Ana Maria Machado, uma das fundadoras da loja. Ela lembrou do lançamento do primeiro livro infantil de Chico Buarque de Holanda, Chapeuzinho Amarelo, pela Berlendis & Vertecchia, pouco depois da inauguração, em 1979: “Amei o original do Chico e o convidei para fazer o lançamento na Malasartes. O resultado foram horas de autógrafos, quilômetros de fila e um engarrafamento de trânsito que se estendeu até o Jardim Botânico. E mais: a incorporação da livraria ao mapa da cidade”. Com 11 livros, três Prêmios Jabuti, um Oceanos e o Prêmio Camões pelo conjunto da obra, Chico Buarque não faz mais eventos em livrarias com distribuição de autógrafos. Por isso, a presença dele no lançamento do livro de um amigo, no último dia 19, foi notícia: Junto com a mulher, a advogada Carol Proner, ele esteve na Livraria Leonardo da Vinci, Centro, para prestigiar o advogado Juarez Tavares que, com o colega Rubens Casara, lançou o livro Prisão: além do senso comum, editado pela Da Vinci Livros. Ficou pouco tempo, mas o suficiente para que os clientes conseguissem o autógrafo dele em seu último livro Bambino a Roma , lançado em julho pela Companhia das Letras. “Conheci autores que detestavam dar autógrafos. Tem gente que adora, outros fogem como o diabo da cruz, são avessos a reboliço.” diz Margarete Cardoso, veterana livreira que estreou em 1960, na Kosmos, no Centro, e hoje assessora bibliotecas particulares. Maior especialista em livros raros do Brasil, ela diz que autógrafos como os de Chico Buarque têm valor para o fã mas não sobem o preço do livro por haver centenas iguais na mesma obra: “Se pego um livro com assinatura do Machado de Assis, sim, o preço vai para a estratosfera. Mas qualquer livro com dedicatória tem valor excepcional para a pessoa que recebeu”. “O evento superou minhas expectativas”, disse Alberto Mussa escritor carioca que no último dia 21 lançou o romance A extraordinária Zona Norte, pela Todavia, em evento promovido pela Folha Seca em bar ao lado da livraria no Centro, das 13h às 20h, ao som de samba, em um sábado. Ele escreveu cerca de 150 dedicatórias em exemplares do livro, algumas para nomes consagrados do mercado editorial presentes, como as escritoras Eliana Alves Cruz, Beatriz Rezende, Raquel Valença, os escritores Luis Antonio Simas e Marcelo Moutinho e das artes cênicas como a atriz Regina Casé. Com 12 livros, premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte, Academia Brasileira de Letras, Fundação Biblioteca Nacional e Casa de Las Americas, Alberto Mussa diz que a verdadeira consagração foi o samba enredo da Escola Acadêmicos do Grande Rio no carnaval deste ano baseado no seu livro Meu destino é ser onça, de 2009, pela Civilização Brasileira. “Eu fazia dois lançamentos; num dia de semana era na Travessa e no sábado na Folha Seca, mais informal, com cerveja. Este ano ainda não temos uma data na Travessa, que talvez seja outubro.” Mas, segundo Alberto, já está programada uma conversa com os livreiros da Travessa para tirar dúvidas e discutir sobre o novo título. “O livro funciona muito no boca a boca com o trabalho dos livreiros, algo pouco lembrado mas é o que mais valorizo. O que conta é o impulso dado nas livrarias, mais que imprensa ou rede social.” Na obra recém-lançada há referência à Livraria Folha Seca: “ Na Rua do Ouvidor , em frente à livraria do Ferrari, funcionava uma banca clandestina, de um mexicano que sorteava números, cada um deles associado à imagem de uma flor.” Segundo ele, o gênero policial, característico de algumas de suas obras, como a última, é visto com preconceito pela crítica brasileira: “Se você coloca obstáculos a certos gêneros e autores, está impedindo a popularização da leitura. Essa postura é um tanto aristocrática porque se fala muito que as pessoas precisam de educação para consumirem mais livros.” Alberto Mussa credita também ao preconceito o fato da Zona Norte não ter lançamentos literários importantes, a maioria concentrada em livrarias da Zona Sul: “Talvez seja um vício, porque as pessoas não tem coragem de mudar o padrão. As expressões culturais do Rio são mais característicos da Zona Norte, é alma da cidade.” Depois do Centro, com 45, a Zona Norte, com 39, é a região carioca com maior número de livrarias, seguida da Zona Sul com 34 e Zona Oeste, com 14. No entanto, a maior parte dos lançamentos ali é feita por autores locais. Carlos Ribeiro, também autor de histórias policiais lançou, em agosto, seu quarto livro Cartas Marcadas, pela Labrador, na Triuno Livraria, em Irajá, bairro onde também reside: “O lançamento em livraria é importante pois é momento que o escritor tem para fazer contato com as pessoas que apostam no trabalho dele.” Além da Triuno o livro foi lançado na Travessa da Barra, num evento, segundo ele, mais formal: “Na Triuno o clima era familiar pela questão da proximidade, passou uma ideia acolhedora, por eu ser frequentador da livraria.” Carlos avalia que o evento em uma livraria de rua, tem possibilidade de atrair mais curiosos que o dentro de uma grande livraria em shopping. Para o fundador da Triuno, Borgópio D’Oliveira, da mesma forma que no mundo virtual há uma tendência de se acompanhar aqueles que já têm muitos seguidores, na vida real a pessoa passa na porta, vê o alvoroço e diz; “Deixa eu entrar para ver o que está acontecendo”. Segundo ele, durante muito tempo o livro cristão dominou na Zona Norte mas agora está meio a meio: “O estigma do passado, de a pessoa não entrar na livraria por achar que é uma livraria evangélica está acabando.” A Triuno, única livraria em Irajá, com 9 anos, já fez lançamentos literários nas áreas de romance, crônicas, poesia, e filosofia, saúde, a maioria de autores independentes com bom resultado, segundo Borgópio: “A frequência tem sido muito interessante, sempre uma surpresa positiva.” Escritora, tradutora, ex-livreira e editora, há 25 anos à frente da Ibis Libris, Thereza Rocque da Motta experimentou os lançamentos em livrarias sob os diversos ângulos do mercado editorial. Em A vida dos livros I e II, da sua editora, relatou experiências que terão continuidade em a Vida dos livros III. Há relatos como da autora do interior paulista que, convencida pela assessora de imprensa, comprou 50 volumes para distribuir aos convidados por acreditar não ser de “bom tom” vendê-los no lançamento. Também da filha que fez o mesmo com o livro do pai, de 80 anos, por achar que não estava bem escrito e ninguém compraria por livre e espontânea vontade. “Sempre pergunto para o autor quantos amigos ele chamou ou se tem família grande. Não adianta usar as mídias da editora, isso não chama ninguém. Quem vai são os contatos pessoais do autor.” Garante Thereza para autores iniciantes. “Quando um autor de poesia quer lançar um livro e não tem muitos contatos, crio um evento de leitura, convido outros poetas onde os poemas dele são lidos. Poesia vende para poetas; eles são os primeiros consumidores. Não vou deixar o autor sozinho numa mesa sem receber ninguém.” Autora de 25 livros e tradutora de 20, Thereza também faz lançamentos das traduções como aconteceu com, 44 sonetos escolhidos, da Ibis Libris, traduzidos por ela da obra de Shakespeare, lançado em um evento batizado de Chá com Shakespeare: “não fazia ideia de que ele fosse tão amado e popular entre as pessoas.” Thereza finaliza a biografia sobre o seu trisavô, o primeiro presidente civil eleito no Brasil, em 1894. O lançamento será em novembro, e não poderia ser em outra livraria se não a Travessa de Ipanema. Ela está localizada a um quarteirão da rua que corta o bairro batizada em homenagem ao trisavô, Prudente de Moraes.
Kleber Oliveira 9/10/2024 |