A CIDADE E OS LIVROS
O Rio parecia inesgotável àquele adolescente que era eu. Sozinho entrar no ônibus Castelo, saltar no fim da linha, andar sem medo no centro da cidade proibida, em meio à multidão que nem notava que eu não lhe pertencia - e de repente, anônimo entre anônimos, notar eufórico que sim, que pertencia a ela, e ela a mim -, entrar em becos, travessas, avenidas, galerias, cinemas, livrarias: Leonardo da Vinci Larga Rex Central Colombo Marrecas Íris Meio-Dia Cosmos Alfândega Cruzeiro Carioca Marrocos Passos Civilização Cavé Saara São José Rosário Passeio Público Ouvidor Padrão Vitória Lavradio Cinelândia: lugares que antes eu nem conhecia abriam-se em esquinas infinitas de ruas doravante prolongáveis por todas as cidades que existiam. Eu só sentira algo semelhante ao perceber que os livros dos adultos também me interessavam: que em princípio haviam sido escritos para mim os livros todos. Hoje é diferente, pois todas as cidades encolheram, são previsíveis, dão claustrofobia e até dariam tédio, se não fossem os livros infinitos que contêm.
Antonio Cicero
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