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Best-sellers sem cor Dez anos após o sucesso de Jardim Secreto, de Johanna Basford, Bobbie Goods, de Abbie Govea, recoloca os livros de colorir no topo das listas de mais vendidos. Mas a tendência não é exclusiva do mercado contemporâneo: livros de colorir também foram best-sellers na década de 1960.
Executive Coloring Book, primeiro sucesso para o público adulto nos EUA
A canção My Coloring Book gravada por Barbra Streisand , em 1962, e por três outras cantoras norte-americanas, no mesmo ano, seguiu a onda do modismo. Na letra, uma mulher sugere aos adeptos do colorismo de livros que a pintem com cores tristes após um amor perdido. Naquele ano,o jornal The New York Times publicou , em 12 de agosto, matéria sobre o fenômeno editorial com a manchete: “Esses são livros de colorir, ouro é a cor”. JFK Coloring Book, com imagens da família do então presidente norte-americano John Kennedy, ficou 14 semanas no topo da lista dos mais vendidos do jornal. Assinado por Mort Drucker, desenhista da revista de humor MAD, ele prosseguiu com a moda de livros de colorir para adultos iniciada no ano anterior com Executive Coloring Book, lançado por três publicitários com sátira ao estilo de vida dos executivos norte-americanos. “Este é o meu terno. Pinte- o de cinza, ou serei demitido,” diz a legenda na imagem de um executivo se vestindo. A mesma cor é sugerida para um grupo indo para o trabalho; ” Você encontra muitas pessoas interessantes na fila do trem. Pinte todas de cinza.” A primeira onda dos livros de colorir para adultos não chegou ao Brasil, ao contrário do tsunami global provocado, cerca de 50 anos depois, por Jardim Secreto lançado pela britânica Johanna Basford, ex-ilustradora, entre outros, de rótulos de vinho. “O fenômeno dos livros de colorir de 2015 foi o mais impressionante que já vivemos” diz Marcos Pereira, editor da Sextante, que publicou o livro no Brasil: “Nos primeiros seis meses daquele ano vendemos 2 milhões de exemplares.” “Mas, passado o Dia das Mães, as vendas despencaram e muitos títulos lançados pela concorrência desapareceram do mercado,“ lembra o editor “ os livros de Johanna Basford, no entanto continuaram com números muito bons.” Ele estima uma venda em torno de 100 mil exemplares por ano. “A onda atual parece um pouco diferente. Os desenhos são menos complexos, a colaração é feita com canetas, em vez de lápis. Os títulos da Johanna Basford traziam um pouco de meditação, o que poderia incluí-los em autoajuda. Mas acho que a categoria mais correta é Livro Interativo,” avalia ele. Bobbie Goods viralizou este ano, a partir de vídeos no TikTok da autora Abbie Govea, norte-americana de ascendência portuguesa, de 28 anos. Bobbie é um ursinho com traços infantis em cenas que remetem à década de 70 no gênero cozy coloring books — livros de colorir aconchegantes. “Em poucos meses desde o lançamento do primeiro livro, alcançamos a marca de mais de 2 milhões de exemplares,” diz Leonora Monnerat, CEO da editora HarperCollins Brasil, responsável pela publicação no país. “Na Bienal do Livro do Rio vimos o fenômeno ao vivo: eles foram os quatro livros mais vendidos do nosso estande. Foi muito gratificante ver crianças, adolescentes e adultos procurando os livros originais,” comemora ela. No rastro de Bobbie, a HarperCollins lançou o similar nacional Capi – a capivara aventureira, de Guilherme Karsten. O artista plástico Romero Britto expôs o seu estilo em Colorindo com Romero Britto, lançado na Bienal, e a empresária da moda Costanza Pascolato veio com Meu caderno de estampas. Segundo Dante Cid, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, entidade por trás da Bienal do Rio, os livros de colorir atraem públicos de todas idades em busca de atividade criativa e momentos longes das telas; “mas funcionam como porta de entrada para o universo da leitura, despertam curiosidade por outros gêneros.” Tradicionalmente dedicado ao público infantil, eles surgiram, primeiro, para adultos. Em 1612, o gravador inglês Willian Hole lançou Albion’s Glorious Ile , com mapas povoados por figuras míticas como monstros marinhos e ninfas tocando harpa, a serem coloridos pela elite da época com uso de aquarelas. Depois, há registro do lançamento, em 1760, em Londres, de The Florist, pelo editor Robert Saver, para “uso e deleite de cavalheiros e damas”, com desenhos de 60 flores e indicação das cores naturais para pintá-las. Tido como primeiro livro de colorir para crianças, The Little Folks Painting Book, foi lançado em 1879, pela editora McLoughlin Brothers, de Nova York. “O talento dos jovens artistas deve ser direcionado à escolha adequada das cores e seu arranjo harmonioso.”, diz o prefácio. No acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, há cerca de 1 100 títulos de livros de colorir, a maior parte catalogada desde os anos 60. “É possível,” segundo a direção da BN, “que antes os livros de colorir fossem considerados brinquedos.” O acervo da BN é formado por doações através do Depósito Legal e os exemplares mais antigos de livros do gênero são, um de 1933, e outro de 1955, ambos voltados para o público infantil. No PublishNews, os livros de Bobbie Goods estão nos quatro primeiros lugares da lista geral de mais vendidos e nas mesmas posições na lista de não ficção. A revista Veja que, em 21 de maio, fez matéria sobre os “números impressionantes” do fenômeno não inclui livros de colorir nas suas listas, divididas por gêneros. Segundo Talita Facchini, do PublishNews, quem decide em qual categoria eles vão aparecer são as editoras: “Algumas os incluem em nâo ficção e outras em infantojuvenil, por isso eles ficam espalhados pelas categorias.” Na Leitura, maior rede de livrarias do país, a relação entre livros de colorir e materiais de desenho está forte, segundo Rodrigo Bernardes, sócio em algumas das lojas cariocas. “Nos últimos meses os livros de colorir têm sido os produtos mais vendidos na livraria e as canetinhas ‘específicas’ para eles os produtos ‘não livros’ mais vendidos nas lojas.” O modismo está também nas livrarias do interior, como a Castro Alves, em Araruama, estado do Rio. A livreira Danielle Paul, com formação em psicologia, tem um trabalho de biblioterapia em laboratórios promovidos pela Castro Alves, mas aprova a nova atividade. “As pessoas têm de voltar para as livrarias de alguma forma e se é através do livro de colorir, ótimo. Nâo há vilão, é um fenômeno social que deve ser observado. Tem uma hora que a sociedade precisa de um outro chamamento para os espaços, inclusive livreiros.” Aos sábados, a Castro Alves promove encontros de família para pintarem os livros de Bobbie Goods, “ou o que mais quiserem”, diz Danielle. “É bonito ver as pessoas escolhendo cores, modos de colorir e essas escolhas dizem muito delas. Assim como a escolha de um livro diz muito do leitor.” As qualidades terapêuticas do colorismo de livros vão do caráter meditativo que exercita a atenção plena à fuga do estresse causado pelas telas digitais. Mas, segundo Danielle, como terapia, “ a leitura tem um direcionamento mais preciso, mas será que as pessoas querem precisão?” Nesta sexta feira, 12, o ambulante Antônio José Alves, vendia livros de colorir em um tabuleiro na saída do Metrô, no Largo do Machado. “São a febre do momento”, disse ele, que trabalha com esses produtos há dois meses. No “acervo”, a maioria é do Bobbie Goods, lacrados, com o selo Made in China no verso, vendidos por R$ 20, mesmo preço das canetas em pacotes de oito unidades, onde se lê a marca Touch, ligada ao modismo. Na banca também há pequenos blocos no tamanho de uma carteira de identidade, com desenhos para colorir do Bobbie Goods e Harry Potter, a R$ 2 : “Esses vêm de Caxias,” explica Antônio,” sabe como o carioca é; vê uma oportunidade e arruma um jeito de ganhar dinheiro em cima.” Mas numa das livrarias mais cariocas da cidade, a Folha Seca, no Centro, Bobbie Goods está fora: “ Não apostamos no segmento de livros para colorir apesar da aparente tendência do mercado,” diz o livreiro Rodrigo Ferrari. “ Continuamos fiéis aos leitores dos Temas Cariocas. Os poucos itens que temos nessa linha seguem em nossa seção de infantis.”
Kleber Oliveira Para AELRJ 17/07/2025
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