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A curadoria humana

 

Os algoritmos são os novos curadores. No entanto,  Suzana Vargas —  uma das profissionais  mais  requisitadas do mercado — afirma que a curadoria literária no Brasil  está em evolução e os autores têm recebido tratamento mais profissional e humano em eventos literários.

 

 

Poeta, professora, ex-funcionária da Biblioteca Nacional, Suzana Vargas foi curadora no 1º Festival das Livrarias do Rio (AELRJ); na Primavera dos Livros, (LIBRE); e na Bienal do Livro do Rio, (SNEL). Foi curadora na Bienal de Campos 2025, e comemora em outubro os 30 anos do Instituto Estação das Letras, fundado por ela, com programação de cursos e oficinas literárias.

Suzana também dirige e apresenta  o Clube de Leitura do CCBB que, na edição de setembro,  reuniu cerca de 140 leitores  para ouvir seus convidados discutirem a poesia de Antônio Cícero, falecido em 2024, autor de letras como O último romântico,  sucesso de Lulu Santos.

A relação de Suzana com o CCBB começou em 1993 com o projeto  Rodas de Leitura: encontros em que os autores liam trechos de suas próprias obras para debate. Os  recordes de  público foram alcançados com Jorge Amado, Mia Couto e Leonardo Padura.

“Tenho orgulho de, com as Rodas de Leitura,  ter iniciado um tratamento profissional para os escritores”, diz ela.“Eles se surpreendiam quando eu dizia que haveria  pagamento. Antes, a remuneração era  uma caixa de bombons”.

As Rodas de Leitura se estenderam por  13 anos e, em 2021, o CCBB a convidou para organizar e apresentar  o Clube de Leitura, formato diferente onde se discute um livro com seu autor. Nesse, Carla Madeira foi o recorde de público e em outubro a convidada é a autora ruandesa Scholastique Mukasonga.

Com vasta rede de contatos desde os anos 80, graças às aulas, às publicações e à  frequência a eventos, Suzana ampliou a agenda ao se tornar editora da Revista Poesia Sempre , da Biblioteca Nacional nos anos 90, onde publicou poetas de todo o Brasil e internacionais. “Ser curadora implica em ter um conhecimento na área do livro,” afirma.

“Tenho o Banco do Brasil como parceiro que quer promover a leitura da melhor forma possível e remunera bem”, diz ela. “ Acho que o escritor deve ser pago, mas sei que grandes eventos, como Bienais, não remuneram”.

O 1º Festival das Livrarias do Rio, promovido pela Associação Estadual de Livrarias RJ – AELRJ, em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros - SNEL, em 2016, teve curadoria de Suzana, que organizou 10 atrações sem remuneração  para os autores.

“A ideia de Festival é tão linda. Uma coisa leve. Você não precisa de mais nada. As livrarias é que recebem  os eventos e divulgam para seus clientes “,  diz ela. “Coloquei minha agenda e amigos  à disposição para colaborar com o evento.”

Entre outros, participaram Antonio Cícero e Muniz Bandeira, numa homenagem à livreira Dona Vanna, na Leonardo da Vinci; Ruy Castro e João Máximo em A música da cidade, na Arlequim; e Chico Alencar e Cid Benjamim em Brasil, uma biografia política, na Cultura.

“Um Festival das Livrarias mostra a diversidade cultural; não se limita apenas à literatura”,  ressalta ela.  Um dos eventos de maior público foi  Novos autores e mercado editorial com Raphael Montes que  confessou à curadora: “ Você foi uma das primeiras pessoas que apostou em mim. Não consigo dizer não para você”.

Na curadoria para a Primavera dos Livros,  feira promovida no Rio pela Liga Brasileira de Editores - LIBRE, os autores também não foram remunerados: “Adorei fazer,  foi bem democrático, me reuni com todas as editoras. Foi uma forma de me atualizar. Não houve remuneração mas mandavam buscar e levar os convidados”.

“Os escritores são maravilhosos”,  elogia ela, “sabem que um evento literário exige esforço de todas as partes. Eles se sentem honrados em  ter uma chance de conversar com os seus leitores. Mas nunca perco de vista que, para eles, isso também é um trabalho”.

“Como curadora, você até pode realizar  um evento sem pagar,  mas esses autores dificilmente atrairão um grande público. Então é preciso equilibrar; um autor mais conhecido e outro menos. Um leva público para o outro. É um cálculo”, explica.

Suzana Vargas também foi livreira com a Literária, especializada em literatura, que funcionou  dentro do  Estação das Letras, até 2020 quando o Instituto  migrou para o mundo virtual. “O termo curador é perfeito para o livreiro,” diz ela, “é um trabalho fantástico que alia qualidade à potencialidade comercial”.

Em 2005 o IEL foi pioneiro na promoção de cursos para livreiros e abertura de livrarias. Ministrados até 2010 eles formaram alunos responsáveis pelo surgimento de livrarias como a Da Conde, no Leblon, e a Largo das Letras, em Santa Tereza.

“Alguns problemas  a serem resolvidos na época dos cursos acabaram com a chegada da  automação nas livrarias”, lembra Suzana. “Hoje a livraria precisa ser vista de outra forma. Não pode ser apenas um lugar onde se vendem livros”.

O sonho de Suzana é que  seja inaugurada  uma livraria com o nome Estação das Letras, e a convidem para instalar o IEL dentro dela: “Será um sucesso! O Estação, mesmo virtual,  ainda tem  seu público fiel”. O Instituto, que teve Antônio Cícero entre os professores, é,  para ela “um ato de resistência, alternativo e independente, nunca teve qualquer patrocínio”.

Mestre em Teoria Literária pela UFRJ, Suzana é autora de 16 livros, entre poesia, literatura infantojuvenil e ensaios. Sua tese de mestrado  virou livro de sucesso com várias edições, relançado pela Alta Books: Leitura: uma aprendizagem de prazer — como trabalhar com grupos de leitura.

A tese de Suzana é de que o prazer com a leitura deve vir antes do aprendizado da gramática. Para ela, a literatura pode ir além das escolas e universidades e ocupar espaços como atividade de lazer como  fazem o cinema e o teatro.

Suzana continua a  abrir  espaços para a literatura. De 2021 a 2022, escreveu uma série de 17 artigos para o PublishNews  sobre sua convivência com grandes nomes da literatura brasileira; do encontro fugaz com Carlos Drummond de Andrade em um elevador, aos mais freqüentes com o seu conterrâneo Mario Quintana.

Até recentemente,  o perfil de Whatsapp da escritora  tinha, ao lado da foto do Papa Francisco,  a reflexão dele:  “Quando nem sequer na oração conseguimos encontrar o sossego da alma, um bom livro nos ajuda a enfrentar a tempestade, até termos  um pouco mais de serenidade”.

 

 

Kleber Oliveira

para AELRJ

22/09/2025